Loja da marca de carros elétricos Tesla já adota um novo conceito de concessionária, diferente do tradicional
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Loja da marca de carros elétricos Tesla já adota um novo conceito de concessionária, diferente do tradicional

Num certo episódio da excelente série Mad Men, ambientada na Nova York dos anos 60 e 70, o protagonista Don Draper vai até uma concessionária e sai de lá com um belo Cadillac Coupe de Ville 1965. O que mais me chamou atenção na cena foi o fato de que as lojas de carros não mudaram quase nada nesses 50 anos. Nem as lojas, nem o jeito de vender carro, nem o curto test-drive (quando há), nem a abordagem de vendedor...

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Ambiente moderno e interessante das lojas da Nespresso mostra o novo paradigma que precisa ser aplicado no setor automotivo

Você, caro leitor, já deve ter percebido que ir a uma concessionária há muito deixou de ser uma experiência das mais prazerosas, que se fazia com toda a família. O cenário se torna ainda mais preocupante se as compararmos com lojas como da Apple , da Samsung ou da Nespresso, só para citar três casos emblemáticos de encantamento do cliente (e com itens bem mais baratos que um carro, diga-se). Nesses três exemplos, o cliente entra num ambiente acolhedor, com design hi-tech caprichado, muitas cores, aromas (no caso do café), equipes de atendimento afiadíssimas, possibilidade de degustação. Na Apple, não há nem caixa – o vendedor faz essa função com total agilidade. Os clientes até poderiam comprar esses produtos pela internet. Mas as lojas são tão bacanas que acabam criando o desejo de visitá-las, e de levar para casa alguns itens que nem estavam nos planos iniciais.

A dolorosa verdade é que o velho modelo montadora/rede de revendas, que funcionou tão bem no século passado, ficou datado e precisa de uma grande chacoalhada. Basta reparar em velhos prédios de concessionárias abandonadas, pichados e com vidraças quebradas. Reflexo da recessão, você pode dizer. Sim, mas não só isso. Reflexo sobretudo de um modelo de negócio que está na berlinda por falta de ousadia.

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Uma das marcas mais valiosas atualmente, a Apple também atrai clientes com um conceito moderno de loja, em que vendedores trabalham com agilidade, fazendo, inclusive, o papel de caixa

Se já é complicado seduzir consumidores mais maduros, o que dizer das novas gerações, acostumadas ao mundo digital, à agilidade das decisões, ao dinâmico mundo que cabe na tela de um smartphone? Essa rapaziada, que já não tem o fascínio pelo automóvel que se tinha antigamente, só vai se dispor a visitar uma loja de carros se a experiência for muito mais atrativa do que é hoje.

Em outras palavras: as montadoras, juntamente com os grandes concessionários que ainda não fugiram desse ramo, precisam fazer sua parte, e ainda pressionar o governo federal em busca de uma modernização da caduca Lei Renato Ferrari (que rege o comércio de carros 0 km desde 1979) e de certas chateações que atrasam a entrega do produto (demora na lacração das placas, por exemplo). Deixarei outro pênalti dessa relação para outra coluna, que é o pós-venda (revisões, garantia, etc).

Tudo precisa ser revisto. Até a mesquinharia de entregar o carro novinho quase sem combustível, obrigando o cliente a parar no primeiro posto. Não faltam bons exemplos a serem seguidos no mundo. A Tesla, fabricante americana de carros elétricos, prefere vender seus carros em lojas próprias, muitas delas em shoppings ou centros comerciais. As lojas da Tesla mais parecem butiques, onde se vende mais que um carro: vende-se todo um conceito tecnológico, uma nova filosofia de mobilidade. A marca enfrenta resistência burocrática em alguns estados americanos, mas sua estratégia vem se revelando vencedora.

Quebras de paradigmas precisam ser a regra. Por que não vender carros em lojas franqueadas? Por que não copiar a maioria das marcas alemãs, que entregam carros numa visita opcional à fábrica, com hora marcada, e com direito a um test-drive em pistas fechadas, com instrutor a bordo? A Audi faz isso em Ingolstadt, o Grupo VW em Wolfsburg... E nem estamos falando de marcas mais exclusivas como a Ferrari ou a Maybach, da Mercedes. Essas já estão num patamar estratosférico de atendimento, evidentemente.

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Poucas lojas de carros ao redor do mundo trabalham com um ambiente diferenciado como o que a Europamotors montou no Shopping Jardim Sul, em São Paulo

No Brasil, muita coisa poderia ser feita também. No caso de marcas de lifestyle , como Land Rover e Jeep, as lojas deveriam seguir a proposta aventureira: vendedores joviais, com roupas de trilha (nada de camisa e gravata), com test-drive off-road, com promoções para itens de grife. Algumas concessionárias fazem até cursos off-road e expedições em finais de semana, mas ainda são exceções, não a regra.

As soluções podem ser mais simples do que se imagina. E as pop-up stores estão aí, em vários países e de diversas marcas, para provar que basta exibir o carro no ponto certo, numa loja visualmente fascinante, para atrair bons negócios e cativar os clientes. Já não é mais suficiente colocar uma moça bonita ao lado do carro num shopping ou no saguão do aeroporto. Mas veja o sucesso que são as butiques de carros na Champs-Elysées, em Paris, ou em shoppings como o JK Iguatemi, em São Paulo. São lojas, às vezes temporárias, que vendem o conceito, os valores e a história da marca, e não um amontoado de carros com preços pintados no para-brisa, com bandeirolas e balões pendurados no teto do saguão, tal qual uma festa junina.

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Instalada no Shopping JK Iguatemi, a loja da Vespa é outra amostra de como deveria ser uma concessionária de automóveis

As marcas mais premium têm obrigação de oferecer experiências mais especiais aos seus clientes, mas têm feito pouco nesse sentido por aqui. Nisso, as marcas de carro levam um banho das de moto, como Vespa, Triumph e Harley-Davidson. O desafio é ainda maior entre as marcas generalistas, que vendem carros mais acessíveis. Mas mesmo essas precisam virar suas concessionárias de cabeça para baixo – focar não só em vendas de carros, mas em oferta de serviços de mobilidade, como compartilhamento de veículos.

Ford e GM já adotam abertamente o discurso de que, na próxima década, o sucesso de uma montadora não será mais medido pelo volume de carros vendidos, mas sim pela quantidade de quilômetros percorridos por seus modelos. As montadoras mais antenadas já perceberam que talvez não venderão mais um carro, e sim o direito de o cliente usar algum carro da marca quando e onde precisar, sem relação de posse. Mudar o modelo mental já é um bom ponto de partida.

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SOBRE MAD MEN

A série que inspirou esta coluna teve várias referências ao mundo automotivo em suas sete temporadas. Entre elas, as agruras da inglesa Jaguar para se estabelecer no mercado norte-americano, ou a guerra das agências para conseguir a campanha do Chevrolet Vega 1971. Para quem gosta de carros dos anos 60, é um prato cheio. De quebra, mostra a revolução nos costumes que começou naquela década, e os fascinantes bastidores do mundo publicitário. AutoBuzz recomenda fortemente.

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Oswaldo Palermo
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Na semana passada, esta coluna mostrou duas unidades do novo Kia Picanto rodando a serviço da Hyundai, em testes para desenvolvimento de produto e/ou conjuntos motrizes. Ambos tinham placas de Piracicaba (SP), sede da Hyundai no país. Procurada por AutoBuzz, a Kia Motors, marca controlada na Coreia do Sul pela Hyundai, confirmou que essas duas unidades não estão sendo testadas por ela. Um porta-voz da Kia disse que até há unidades do Picanto no Brasil, para homologação e provável início de vendas no próximo ano. Mas que a Kia só usa placas de Itu (sede da importadora Gandini no interior de São Paulo), e não de Piracicaba.

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