Sim, eu gosto muito de carro. Sim, é bem divertido andar numa estrada sem limite de velocidade, como algumas que existem na Europa. Mas sejamos realistas: cada vez mais a performance do carro perde espaço na lista de prioridades dos compradores. É claro que ninguém quer passar por apuros na hora de fazer uma ultrapassagem numa estrada de mão dupla ou de subir uma serra com o porta-malas carregado. Fora isso, pouco importa a velocidade, a aceleração e a potência. E digo mais: as marcas quer têm no desempenho esportivo o seu maior apelo terão de se reinventar, ou perderão a razão de ser. Isso inclui três das marcas que mais admiro, o trio alemão Audi, BMW e Mercedes.
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Não é por acaso que a BMW já trabalha intensamente em sua divisão elétrica e a Audi é uma das que mais investe em modelos autônomos. A Mercedes já tem uma das linhas mais diversificadas do mundo, incluindo caminhões. A sueca Volvo já virou a chavinha para o futuro elétrico desde que foi comprada por chineses. Elas sabem que não dará para viver da performance de seus modelos atuais.
A situação é complicada para as marcas de performance em qualquer dos cenários que se analise, seja de curto, médio ou longo prazo. Já é complicado hoje em dia, com megacidades abarrotadas de carros, e com radares ativos nos períodos em que se poderia acelerar um pouco mais (madrugadas ou feriados prolongados). As melhores estradas no Brasil têm velocidade máxima de 120 km/h, e muitos radares à espreita. Não é diferente na maioria dos países, salvo raras exceções, como as autobhans alemãs.
As limitações físicas para acelerar se somam às novas demandas dos motoristas por conectividade, versatilidade e uma posição ao volante menos cansativa, o que tem levado uma legião de consumidores para os SUVs. Dizem que quem se acostuma a essa posição mais elevada (menos deitada), com mais espaço para as pernas, dificilmente volta para um carro mais baixo. Eu conheço vários casos assim. Resultado: pesquisas já mostram o desempenho descendo a ladeira na lista de prioridades. Carros esportivos são caros e pouco econômicos. E os endinheirados têm cada vez mais opções de diversão que não envolvam correr riscos ao volante (de acidentes ou de assaltos).
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A médio prazo, essa lista de prioridades continuará se invertendo. Novas gerações não têm o mesmo fetiche pelo carro e pela velocidade como as anteriores. Muitos vão preferir andar de carona em carros de aplicativos, absortos em outras atividades durante a viagem, mais preocupados em chegar com segurança ao seu destino. A fiscalização por câmeras mais sofisticadas será ainda mais implacável com os infratores, o que tende a reduzir a velocidade média das viagens urbanas ou rodoviárias. Carros autônomos começarão a conviver cada vez mais com os não-autônomos, o que endurecerá as regras de trânsito. Haverá uma fase de transição, onde cada vez mais ficará provado que os “carros-robôs” se envolvem em menos acidentes que os conduzidos por humanos.
Dirigir e pisar fundo, só em clubes e parques temáticos
Agora viajemos para 2040, ou 2050 para países não tão ricos (caso do Brasil). Bob Lutz, ex-chefe de produto da GM, com passagens por Chrysler, BMW e Opel, escreveu um artigo nesta semana, no qual decreta o fim da condução humana num prazo de 20 anos. E ele, com 85 anos, é famoso por ter uma das melhores bolas de cristal da indústria. Isso vale para carros, caminhões, ônibus, táxis, motos... Na visão dele e de outros futurólogos, a mobilidade se dará por módulos de transporte autônomos, de vários tamanhos.
O cidadão chamará o serviço num aplicativo. O módulo chegará à sua localização, depois entrará numa pista expressa, alinhado com outros módulos, todos em velocidade constante. No máximo haverá uma faixa expressa (mais cara) para quem quiser viajar em velocidade mais alta, e que também será usada por módulos de saúde e segurança (ambulâncias, policiais e bombeiros do futuro).
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A bordo dos módulos, o passageiro poderá ler, dormir, jogar, trabalhar ou até ingerir bebidas alcoólicas (por que não?). Perto do destino, o veículo sairá da via expressa, reduzirá a velocidade em vias vicinais, até chegar ao destino, onde a pessoa será tarifada pelo próprio aplicativo. Ter o seu próprio carro-módulo na garagem será um luxo para poucos. Nesse futuro não tão distante, o ato de dirigir será restrito a locais próprios para esse fim. Clubes ou parques temáticos on-road ou off-road, onde os pais levarão os filhos para pilotar como antigamente, como fazemos hoje com cavalos em haras e clubes hípicos. Ou onde amigos irão para se divertir a bordo de esportivos hi-tech ou em carros e motos do passado.
Que espaço terão as montadoras e concessionárias nesse futuro modelo de mobilidade e negócio? Isso é assunto para uma próxima coluna. Mas o ponto é que num sistema de velocidade constante, sem ultrapassagens, a performance deixa de ser um valor de marca. Outras coisas serão valorizadas nesses veículos autônomos, como conforto, silêncio, tecnologias de bordo, design interno (por fora serão todos muito parecidos). E esse processo já começou, embora não pareça. Sim, ainda há várias marcas lançando carros mais ágeis e velozes do que nunca. Mas há cada vez menos gente dando importância para isso.