Tapumes de madeira cobrem a fachada que até o ano passado era preenchida por carros de todas as categorias. Pedreiros separam entulho enquanto o antigo espaço da Trade Veículos se transforma em uma franquia da vendedora de carnes Swift. A cena é marcante na Avenida Petrônio Portela, famosa pelas várias lojas de carros seminovos e usados, na Zona Norte de São Paulo.
No lado oposto da rua, proprietários de outras lojas observam com tristeza. Com o fim do primeiro semestre de 2021, multimarcas de veículos seminovos e usados repercutem seus resultados após seis meses completos do aumento da alíquota do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Em janeiro, o Governo de São Paulo elevou o imposto de 1,8% para 5,33%, representando um reajuste de 207% .
“Muitas outras lojas devem quebrar. Somos obrigados a repassar os valores abusivos do ICMS para os clientes”, afirma Alexandre, vendedor da Luna Veículos, logo à frente do espaço que está sendo preparado pela Swift. Apesar das vendas crescentes com a retomada da economia, alguns lojistas da região repercutem a queda de até 30% no faturamento .
Mais imposto, menos lucro
A conta é simples. Ao emitir a nota fiscal na venda de um veículo seminovo, o lojista se compromete a pagar 5,33% de ICMS. Para um veículo de R$ 100 mil, isso reflete no recolhimento de R$ 5.330 por parte do Governo do Estado de São Paulo. Antes, este valor ficaria na faixa de R$ 1.800.
“Quem vem oferecer o veículo, seja concessionária ou particular, já vem com um valor na cabeça. Como não tem carro zero no mercado, quer pedir mais”, explica Carlos, vendedor da Pilot Car. “Comprando este carro por valores mais altos, tenho que repassar. O consumidor final está arcando com esta despesa . É uma bola de neve! A pandemia ajudou, mas o aumento deste imposto , em particular, foi o divisor de águas”.
Vende o Creta, compra o Onix
Com o avanço da crise econômica e a vacinação ainda lenta, vendedores de São Paulo já notam uma mudança no comportamento dos clientes. “O mercado mudou o foco para veículos mais baratos , entre R$ 35 e R$ 40 mil. Os proprietários de carros mais caros estão trocando seus veículos por modelos mais baratos ”, explica Rafael, vendedor da AP Veículos.
“Modelos com motores mais potentes estão ficando mais tempo na loja. Nosso maior volume acaba sendo de modelos populares , em sua maioria com motores 1.0”, afirma Carlos, da Pilot Car. Já Alexandre, da Luna Veículos, também reparou na queda das vendas de carros que não são flex, reflexo da alta dos combustíveis.
Motoristas de aplicativo
Com a alta do desemprego , muitos trabalhadores buscaram alternativas em aplicativos de carona, como Uber e 99 Táxi. Os lojistas também reparam na maior procura por parte deste público, que tem preferência por modelos mais econômicos.
“Dependendo do mês, quatro em cada dez carros negociados em nossa loja são vendidos para motoristas de aplicativos ”, diz o vendedor da Pilot Car. A alta nas negociações com motoristas de app também foi notória na 467 Veículos. Segundo o vendedor Thiago, as vendas para este público voltaram a crescer com o avanço gradual da retomada da pandemia.
“No começo da Covid-19 , as vendas naturalmente caíram. Acho que as pessoas ficaram com medo destes carros de uso coletivo. Com o avanço da vacinação, as vendas voltaram a crescer para motoristas de Uber e 99”, diz Thiago.
Alta nos golpes
Os lojistas entrevistados por nossa reportagem também notam aumento em fraudes e golpes nas vendas particulares . “A pessoa acha que seu carro está valorizado demais para ser vendido com consignação em uma concessionária e tenta vendê-lo no particular”, diz Alexandre, da Luna Veículos.
Os golpes do “sinal”, do "familiar facilitador” e da invasão de aplicativos de mensagens se tornaram mais comuns com o aumento das vendas particulares . No primeiro caso, o vendedor pede um adiantamento para o comprador e acaba sumindo com o dinheiro e com o carro.
Em relação ao "familiar facilitador", alguém da família consegue um carro com desconto em montadora e o coloca à venda.O carro que o comprador está interessado já foi vendido, mas que um familiar que trabalha em uma fabricante consegue outras poucas unidades com o valor mais em conta. Situação semelhante acontece em modelos comprados por preços baixos em leilões e vendidos bem mais caros no mercado.
Para onde vamos?
Alexandre, vendedor da Luna Veículos, tem notado um “abismo” entre os valores dos modelos negociados no mercado de seminovos . “Ou o cara tem o carro de R$ 40 mil, ou tem o de R$ 100 mil. Os modelos entre estes valores são menos procurados na região”, afirma.
Carlos, da Pilot Car, afirma que sua loja tenta negociar carros mais novos, deixando modelos usados com alta quilometragem de lado. “ Os valores estão aumentando . Temos contato com todos os vendedores da região e sabemos disso”, diz.
Thiago, da 467 Veículos, avalia que o consumidor está com medo de cair em dívidas – por este motivo, prefere trocar seu modelo mais caro por um veículo mais em conta . “Estamos absorvendo essa mudança nos preços. Como pagamos mais nos carros, eles ficam mais caros”.