Experiência com Fórmula vee te faz sentir um piloto de carreira de verdade
Foto: Marcos Tadeu Batista / Velocidade em Foco
Experiência com Fórmula vee te faz sentir um piloto de carreira de verdade

Depois de muito sonhar com os Fórmula Vee à noite, chego naquela "ruazinha" que passa dentro do túnel - de baixo da reta principal do Autódromo de Interlagos - e me espanto com um trackday rolando à todo o vapor, em plena quinta de manhã. Eu já tinha ideia de que os eventos são o grande sustento da pista, mas não imaginava que eles aconteciam até enquanto eu, por exemplo, deveria estar na redação, iniciando o meu expediente.

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Subo a rampa rumo ao portão dos boxes e entro para procurar o Box Nº 0, onde antes de me apresentar para a turma que participaria do Fórmula Vee Experience, vou para uma sala de equipamentos, onde preencheria uns formulários. Aí, vejo um rapaz de rosto familiar.

“Cara, te conheço de algum lugar. Você vai pro Kartódromo (de Interlagos) com frequência?”, perguntei. “Sim! vez ou outra estou por lá”, respondeu. Foi então, no meio do bate-papo - quando o “Leco” começou a citar uns nomes de profissionais que trabalhavam pelos boxes do autódromo e a amizade entre eles e os pilotos - que vi o quão próximo e igualmente acolhedor são os bastidores do Vee, comparado aos do Kart, onde convivo desde 2009.

Entretanto, uma vez no Box, ouvindo aqueles motores Volkswagen 1.6 ligarem ao som do bom e velho “cano reto” e os mecânicos acertando o “set up” (ao calibrar os amortecedores e outros ajustes propriamente dos carros de corrida), vi que eu acabava de entrar em um terreno de “gente grande”, quando comparado ao Kart. Se o próprio kart é para “pouco$”, eu já estava esperando alguém ali comentar sobre o desempenho do primeiro milionário que aparecesse de volta aos boxes.

Ao analisar o carro e os arredores, duvidei de verdade que andar de Vee seria mais em conta de bancar que o Kart, uma vez que chassi, motor (que não tem caixa de marchas),  pneus e todos os outros componentes do Kart são bem menores, bem como a infraestrutura de uma uma pista de kart em relação à grandiosidade que é um autódromo.

Então, eis que chega Fernando Santos - responsável pela comunicação da categoria - e ninguém menos que o ex-piloto de F1 e criador da categoria da Fórmula Vee em 1963, Wilsinho Fittipaldi. Num papo com os dois, vi que eu acabara de queimar a minha língua com força, ante todas as ideias precipitadas que vinham à mente.

Segundo afirma Wilson Fittipaldi, “Em 1963 criamos a Fórmula Vee porque o automobilismo tinha chegado num custo absurdo na época. Com isso, o automobilismo vinha se retraindo e as pessoas acabavam encostando os seus carros. Daí, tive a iniciativa de criar um carro o mais barato e competitivo possível. Construímos tudo do zero e muitos aderiram à ideia, ao ponto de unir 40 carros nos grids de largada”.

“Partindo do nosso objetivo de oferecer custos reduzidos, mas também o máximo de desempenho e diversão, a Fórmula Vee - ou “Fórmula Volkswagen” - começou com motores de Fusca 1300 cc e, quando os competidores começaram a se cansar do desempenho, um outro grupo criou a Fórmula Super Vee, que usavam um 2.0. E assim, cada vez mais o automobilismo no Brasil crescia e muitos pilotos representavam o Brasil no exterior, em grandes categorias, como na própria Fórmula 1”.

Entrevista com Wilson Fittipaldi Jr, o criador da Fórmula vee em 1963
Leonardo Menezes
Entrevista com Wilson Fittipaldi Jr, o criador da Fórmula vee em 1963

Além disso, Wilson comenta sobre o novo protótipo da Fórmula Vee: “Os engenheiros da Copersucar desenvolveram um modelo novo, que usa um sistema de suspensão independente das rodas traseiras, um câmbio manual de 5 marchas e será equipado, futuramente, com os motores Volkswagen 1.0, de 3 cilindros e turbocompressor do Up! TSi. Os objetivos são de apimentar ainda mais a emoção dos carros”, completou Fittipaldi.

Eis o primeiro Fórmula Vee com suspensão independente nas rodas traseiras
Guilherme Menezes/iG
Eis o primeiro Fórmula Vee com suspensão independente nas rodas traseiras

Ao perguntar para Fittipaldi sobre os grandes objetivos da Fórmula Vee nos dias de hoje, o ex-pilloto afirma: “A nossa intenção é formar pilotos, estes recém chegados do Kart, com cerca de 15 anos de idade. Esses pilotos entram na categoria Jr. da Fórmula Vee, onde podem se desenvolver ainda mais para se destacar no exterior. Nesse ponto, eu mesmo faço um trabalho de divulgação em categorias superiores, desse piloto que se destacar”.

“Além disso, visando os que não têm grandes condições financeiras, a logística das corridas permite que você divida o carro com mais alguém para diminuir custos, alugue o carro, bem como todas as peças são de produção em grande escala, para que sejam as mais baratas possíveis, mais até que as do próprio Kart. Por exemplo, toda a mecânica é Volkswagen: o motor e os freios são os mesmos do Volkswagen Fox 1.6, o câmbio é um 4 marchas de Kombi, os amortecedores são os mesmos modelos usados na década de 60, a carroceria é de fibra de vidro, material barato e de fácil reparo.”, explicou Fittipaldi.

Aí, por fim, não perdi a oportunidade de perguntar sobre o futuro do Autódromo de Interlagos: “Se acontecer a privatização do Autódromo, as chances do fim ser o mesmo de Jacarepaguá são grandes. Espero que não aconteça, pois só enquanto ele ainda não é privado, é que temos a garantia de que o autódromo seguirá à serviço do automobilismo. Mas se acontecer, tomara que eu esteja errado nas minhas previsões.”, afirma o ex-piloto de Fórmula 1.

Enquanto Wilson Fittipaldi se retirava, para negociar a futura etapa da Vee em Ribeirão Preto (SP), eu segui ao carro que iria me apresentar de fato à categoria. Me sentei, acertei os retrovisores e a posição de dirigir e, enquanto isso, eis que chega ninguém menos que Suzane Carvalho: ex-atriz, piloto de carros e motos há 30 anos, bicampeã brasileira da Copa Honda CBR 500R, campeã brasileira de Kart e Fórmula 3, instrutora de pilotagem da Fórmula Vee, fotógrafa e, como eu, jornalista.

Suzane me deu várias dicas e lições quanto ao Vee, utilizando-se de várias referências do Kart para que eu pudesse saber o que fazer ao volante, além de comentar o que particularmente gosta no carro e na tocada. Com a turma já de saída para as voltas de reconhecimento, tivemos que interromper o papo para quando eu voltasse aos boxes novamente.

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Hora do show

Saímos todos, um total de uns 4 carros na minha vez, e pude sentir do que se tratava o Vee. Entretanto, por ser uma experiência voltada até para quem não tem qualquer experiência em pilotagem, o ritmo estava tranquilo, com o objetivo dos pilotos se familiarizarem com o carro e com o técnico traçado de Interlagos.

De cara, senti que o carro responde muito bem, necessitando só que o volante precisasse esterçar um pouco mais que o Kart para agir. A proximidade dos pedais e o fato de que eles sobem (e não descem, como nos carros) ao serem pressionados, permitiam que os Punta Tacco - técnica que eleva os giros do motor durante as frenagens e reduções de marchas para aumentar a estabilidade do carro nessas horas - fossem perfeitos, levando até os pelos das sobrancelhas ao arrepio.

Uma vez que fui liberado para despejar todo o gás, é aí que me senti um piloto de carreira de verdade. O Vee te instiga a guiar como no Kart, mas responde como um intermediário entre o kart e um carro. O resultado é uma dirigibilidade empolgante, visceral e, se você for pra pista com a cabeça puramente do Kart, pode ser traiçoeira.

Os mecânicos comentam que é comum até mesmo para pilotos de Vee perderem o controle, devido aos pneus que, ao mesmo tempo que avisam precisamente qual será a reação do carro, te dão o bote com agressividade se você não se prevenir.

E isso é verdade. Senti que o carro faz pensar que está em uma boa velocidade para entrar na curva, mas, na verdade,  está mais rápido do que consegue contornar e acaba saindo de frente. Aí, quando você tira um pouco o pé do acelerador para adequar a velocidade, a traseira rabeia. Isso é bastante evidente nas filmagens, que inclusive, rendeu umas “driftadas” pesadas na minha 2ª volta livre e outras com mais finesse na 3ª, quando já pude fazer “do limão uma limonada”. Nas devidas proporções de carro e habilidade, me senti o Senna traseirando seus carros de F1, quando tinham pouquíssima aderência e pressão aerodinâmica.

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Vee vs Kart

A experiência ao volante do Vee me fez entender a razão pela qual a categoria é considerada um próximo passo do Kart. O Kart chega a ser mais preciso que o Vee, mais rápido, mais frenético e até mais extremo na tocada. Os menores movimentos que você faz ao volante te “sugam” contra a lateral do assento instantaneamente, a mais de 2Gs de força, bem como você sente que cada pedaço de músculo e vértebras estão sendo usadas para sentí-lo e conduzi-lo.

Entretanto, ao contrário do Vee, não é comum que o kart dê o bote, mesmo se não estiver 100% equilibrado e acertado. Sendo assim, o Kart é uma base primordial para a formação de um piloto, que depois de muita prática, adquire maturidade e experiência para se sair bem ao volante de um Vee.


A voz da experiência

De volta ao Box 0, vem me receber a Suzane Carvalho, para me perguntar o que achei do carro. Obviamente, tudo o que ela havia dito sobre o que eu deveria esperar, era verdade. Senti que não se podia abusar na velocidade de entrada nas curvas, que os freios tinham bastante amplitude, com o objetivo de fazer sentir muito bem o quanto que você precisa frear.

Experiente nas pistas e fora delas, Suzane Carvalho é instrutora da Fórmula Vee
Leonardo Menezes
Experiente nas pistas e fora delas, Suzane Carvalho é instrutora da Fórmula Vee

Suzane relaciona muito a proposta do Vee com a sua história de vida, que apesar de ter começado no Kart, é acessível ao público (até mais que o próprio Kart) e permite muitos aprendizados. “Falando sobre acessibilidade financeira, o Fórmula Vee é mais acessível do que o Kart, categoria na qual quem tem dinheiro compra os melhores equipamentos e, assim, tem maiores chances de se destacar", diz a piloto.

“Entretanto, uma vez que esse piloto chega em uma categoria onde o investimento é muito alto, ele acaba eventualmente tendo que lidar com equipamentos menos sofisticados e, assim, com maiores adversidades ao volante. Isso é algo que vai demandar um tipo específico de experiência que, por mais competente que o piloto seja, se sempre teve tudo do bom e do melhor, ele não terá habilidade o bastante para continuar rápido na pista”.

“A partir disso, como o alto escalão do automobilismo no Brasil custa muito caro para um piloto se sustentar, são só os mais ricos chegam lá e, ao sair do Brasil, não se destacam, pois a questão da habilidade lá fora é muito mais valorizada. Por isso não temos mais tantos brasileiros em grandes categorias mundiais do automobilismo”, afirma Suzane Carvalho.

É por conta disso que a multicampeã sente o dever de pregar bastante em seus alunos a ideia de que quem pilota é o piloto, e não o carro. Ela se esforça para estimular os aprendizes a interpretarem as reações do carro, que saibam sobre mecânica e acertos, que tenham consciência física sobre o carro e até sobre o próprio corpo e, acima de tudo, que sempre sejam comprometidos nas pistas.

Quanto ao futuro do Autódromo de Interlagos à Suzane, ela afirma: “Apesar de incerta, a ideia de privatizar o Autódromo deve soar bastante tentadora ao Estado, uma vez que, de fato, toda essa estrutura não traz toda a rentabilidade que poderia. Mas é claro que não traz! Meu sonho é ver isso aqui (aponta ao corredor atrás dos boxes) cheio de food truck, lojinha de souvenir, parquinhos para crianças dirigirem mini carrinhos Fórmula 1 e outras atrações que atraíssem turistas”.

“Então a minha opinião é que, ou a privatização otimizaria Interlagos, ou tal como o Autódromo de Jacarépaguá, perderemos mais um grande berço do automobilismo brasileiro. Eu e muito outros pilotos cariocas tivemos que ir do Rio para São Paulo por causa disso…”, completa Suzane.

Quando pergunto sobre as mulheres no mundo da velocidade, Suzane respode: "Tal como em tudo, no automobilismo as mulheres podem ser tão competentes quanto os homens. Elas só não estão em grande número nas pistas quanto os homens pois ainda não contam com muitos meios (estímulos, contato desde cedo, dentre outros) para ingressar nesse universo. Inclusive, elas são mais presentes nas categorias de motovelocidade, pois as mulheres que sonham em virar piloto vão em busca da mais intensa adrenalina".

Ilustre mecânico

Como se não fosse o bastante, para me surpreender ainda mais, conheci João de Carvalho Souza, que quando criança, recebeu grande ajuda do Wilson Fittipaldi pai, quem o tirou de uma difícil condição financeira. Tornou-se mecânico e entrou para equipes de Fórmula 1 em 1994, tais como Tyrrell, Arrows e Super Aguri. É chamado pela equipe da Force India de MacGyver, agente secreto fictício dos anos 1980 que solucionava problemas complexos com materiais simples e conhecimentos científicos.

“Mesmo antes da Fórmula 1, eu já frequentava a casa do Senna no Reino Unido e conhecia muitos outros pilotos da Fórmula 1. Com isso, tenho uma coleção de capacetes dos pilotos, volantes de carros da Fórmula 1 e presentes que ganhei das equipes”, conta João de Carvalho.

Quando saía daqueles boxes de Interlagos, depois de tudo aquilo, vi que o Fórmula Vee experience não só proporciona a impagável experiência de guiar um protótipo que mexe com todos os seus sentidos, mas insere os apaixonados por automobilismo no mundo mais puro das corridas. Você está ali, do lado dos mecânicos acertando os carros conforme o seu feedback , enquanto eles e pilotos experientes contam suas experiências emocionantes, sempre repletas de paixão pelas corridas e pela felicidade proporcionada por esse estilo de vida incondicional. Ainda acho impossível que exista alguém que não admiraria esse mundo tão visceral e acolhedor, após uma única vez dentro dele.

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