Cor do carro pode elevar temperatura urbana em até 3,8 °C

Pesquisa mostra que veículos escuros estacionados agravam ilhas de calor; especialistas explicam o porquê

Carros podem ser grandes poluentes
Foto: Reprodução/freepik
Carros podem ser grandes poluentes

Um estudo realizado pela Universidade de Lisboa mostrou que veículos estacionados podem alterar significativamente o microclima urbano.

As medições apontaram que carros de cor escura aumentam em até 3,8 °C a temperatura do ar ao redor, efeito que se soma à intensidade das ilhas de calor e agrava o desconforto térmico de pedestres.

Os pesquisadores testaram um carro preto e um branco estacionados lado a lado sobre asfalto, em um dia de 36 °C e radiação solar de 1005 W/m². 

O veículo escuro irradiou mais calor, criando bolsões quentes próximos à superfície.

Extrapolados para Lisboa, onde mais de 700 mil carros circulam diariamente e até 10% da malha viária pode estar coberta por veículos parados, os resultados indicam que a cor da frota altera o albedo urbano e contribui para o aquecimento local.

O que diz o estudo

Segundo os autores, a presença de carros estacionados em massa modifica o balanço de radiação das ruas.

Em áreas densas da capital portuguesa, veículos de cores claras poderiam elevar a refletância das vias de 0,20 para até 0,39, reduzindo a absorção solar.

Já concentrações de carros pretos fariam o efeito oposto, intensificando a absorção e aumentando o calor nas horas mais críticas do dia.

A pesquisa também alerta que o fenômeno não se restringe ao período diurno. Durante a noite, a retirada dos carros expõe o asfalto, que libera lentamente o calor acumulado.

Essa dinâmica de ocupação reforça a variação térmica diária e amplia os impactos das ilhas de calor urbanas em bairros compactos.

O que dizem os especialistas?

Para Bruno Czerechowicz Hang, engenheiro ambiental do Biopark, em entrevista ao  iG, a conclusão portuguesa serve de alerta direto para as grandes cidades brasileiras, onde a insolação é ainda mais intensa.

Ele afirma que o aquecimento adicional pode pressionar serviços públicos e elevar custos energéticos.

“Esse impacto é bastante relevante para cidades brasileiras, que já enfrentam ilhas de calor devido à alta densidade de edificações e pavimentação", afirma.

Ele explica que um aumento de até 3,8 °C pode agravar problemas de saúde pública, elevar o consumo de energia para resfriamento e reduzir o conforto térmico da população.

"Por isso, políticas que incentivem cores claras e sombreamento em estacionamentos poderiam ser estratégicas para mitigar esse efeito", diz Bruno.

Apesar disso, Hang reconhece que a cor da frota tem peso secundário diante de fatores como congestionamentos e emissões.

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Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
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Para ele, o mais importante é articular soluções de infraestrutura que combinem arborização, pavimentos frios e mobilidade ativa.

“A arborização urbana é uma das medidas mais eficazes, pois a sombra das árvores reduz significativamente a absorção de calor em vias, estacionamentos e fachadas".

O especialista explica que, além disso, políticas que incentivem estacionamentos cobertos, uso de pavimentos frios ou reflexivos, e aplicação de cores claras em calçadas e edificações podem potencializar os resultados.

Ele defende que o caminho mais viável de política pública seria via incentivos à indústria automotiva.

Segundo o engenheiro, benefícios fiscais poderiam estimular montadoras a adotar revestimentos de alto albedo e paletas de cores claras, ampliando o efeito positivo em escala nacional.

“O que ocorre é semelhante ao pavimento escuro”

A climatologista Alcione Wagner reforça a relação entre veículos escuros e aquecimento urbano.

Para ela, o comportamento térmico das carrocerias é comparável ao de telhados e pavimentos de cor escura, que absorvem mais calor e o irradiam ao entorno.

Esse processo, afirma, amplia a necessidade de ar-condicionado e gera um ciclo de maior gasto energético.

“O que ocorre é que carros de cor escura, como o preto, apresentam maior absorção do calor e, com isso, aumento da temperatura interna, semelhante ao que acontece com pavimentos de cor escura.”

Ela lembra que o efeito é localizado e não entra como variável central em modelos de previsão climática urbana.

Ainda assim, considera importante que os gestores urbanos adotem medidas para reduzir a exposição dos pedestres, sobretudo em cidades tropicais.

“Arborização urbana, criação de parques e praças e estacionamentos cobertos com preço acessível podem reduzir significativamente o desconforto térmico em áreas densas.”

No Brasil, onde o sol é mais intenso que em Lisboa, Wagner avalia que o impacto tende a ser maior.

“Em países de temperatura elevada, a tendência é que os carros expostos ao sol tenham temperaturas ainda mais altas, até acima do registrado em Lisboa”, concluiu.

Caminhos possíveis

O estudo sugere que, do ponto de vista do planejamento urbano, a adoção de veículos claros, sombreamento e pavimentos refletivos pode reduzir o calor em áreas críticas.

A análise também propõe restrições de estacionamento em zonas mais vulneráveis e incentivos para que a indústria adote pinturas de alta refletância já na fabricação.

Embora os veículos elétricos emitam menos calor residual, os pesquisadores lembram que suas carrocerias se aquecem da mesma forma que os carros convencionais.

Por isso, a transição da frota sozinha não elimina o problema. A integração de políticas ambientais, mobilidade ativa e infraestrutura verde aparece como a saída mais eficaz para mitigar os efeitos das ilhas de calor.