
O amaciamento de motor já foi quase uma regra entre quem saía da concessionária com um carro zero quilômetro. Por muito tempo, recomendava-se rodar com cuidado nos primeiros quilômetros para evitar desgaste prematuro e garantir a longevidade do conjunto mecânico. Com os avanços dos motores modernos, esse ritual perdeu espaço, mas a dúvida permanece: ele ainda é necessário?
Para responder, o iG Carros ouviu Fernando Landulfo, professor de Engenharia do Instituto Monitor e diretor do canal Auto Acadêmico.

O que era o amaciamento — e por que ele existia
Landulfo explica que o amaciamento fazia sentido numa época em que os processos de usinagem eram menos precisos. As peças internas tinham pequenas imperfeições, e os primeiros quilômetros serviam para promover “um assentamento, uma ajustagem final de peças em atrito”, especialmente entre o brunimento dos cilindros e os anéis de pistão.
O procedimento também valia para outros componentes, como juntas de cabeçote, que se assentavam com dilatação térmica. Era tanto assim que se pedia até reaperto do cabeçote, algo inexistente hoje. “Os materiais eram diferentes, as tolerâncias eram outras. Por isso se pedia para não exigir muito do motor no começo”, lembra o professor.
Motores modernos: precisão que mudou o jogo
Segundo Landulfo, essa realidade mudou profundamente. “Os motores atuais passam por processos de usinagem e acabamento muito mais precisos. Hoje, praticamente saem da fábrica ‘amaciados’, prontos para entregar desempenho total.”
Ele destaca que quase todos os motores passam por testes em bancada antes mesmo de serem instalados no carro. Se algo precisa se ajustar, isso ocorre ali, e não durante o uso do proprietário. Com folgas menores, materiais mais resistentes e lubrificantes de última geração, os manuais deixaram de recomendar qualquer tipo de amaciamento rígido.
Existe, então, um período de adaptação?
Sim, mas bem diferente daquele das décadas passadas. Landulfo explica que o motorista não precisa seguir regras duras, mas deve agir com bom senso. “É uma acomodação natural das peças. Nada radical, apenas cuidado. O carro já vem pronto, mas não custa dar esse período de transição.”
Para ele, trata-se menos de amaciamento e mais de evitar abusos nos primeiros quilômetros. “O motor pode girar alto, mas não o tempo todo. O que não é bom é manter rotações máximas por longos períodos logo nos primeiros dias.”
O carro inteiro se ajusta, não só o motor
Essa fase inicial também envolve outros sistemas. “Freios, pneus e suspensão passam por um período de assentamento. Não é só o motor. O carro inteiro está novo, e tudo ainda está se acomodando”, afirma.
Assim, a recomendação vale para todo o conjunto: variar condições de uso, evitar esforços extremos e permitir que todos os componentes encontrem seu funcionamento ideal.
E a troca de óleo antecipada?
Outra dúvida comum é se ainda vale trocar o óleo antes da quilometragem indicada pela montadora. Landulfo é direto: não. “Os lubrificantes atuais são muito superiores aos antigos, e as montadoras já consideram o processo de fabricação ao indicar o intervalo de troca. Não há necessidade de antecipar.”
A única exceção: motores retificados
Se o amaciamento praticamente desapareceu nos carros novos, ele ainda pode ser relevante quando há retífica de motor. Isso porque o acabamento das peças pode variar conforme o processo usado pela oficina. “Dependendo das tolerâncias, das rugosidades e dos materiais, talvez seja necessário um período de adaptação. É regra? Talvez não. Uma recomendação? Talvez sim.”
Nesses casos, a orientação do profissional responsável continua sendo essencial.