Já ouvi de muita gente, inclusive jornalistas e representantes do setor automotivo, que os carros de luxo não sofrem tantas consequências em tempos de crise. Balela! Eles sofrem sim, e
muito! Podem até demorar um pouco mais a sentir os abalos da situação econômica do país, mas com o tempo sofrem tanto quanto os segmentos de entrada do mercado automotivo. E os números estão aí para comprovar isso.
LEIA MAIS: Veja por que o mercado de picapes nunca mais será o mesmo depois da Fiat Toro.
De 2015 para 2016, apenas Jaguar, Porsche e Lexus cresceram, mas são marcas que não vendem nem 1.000 carros de luxo
por ano, e dependem muito da chegada de algum modelo de
sucesso. Foi o caso do Jaguar F-Pace e do Porsche Macan, por exemplo, que impulsionaram as vendas dessas marcas europeias. Ou do japonês Lexus CT200H. A situação é bem mais complicada para as marcas líderes do segmento premium, como o trio alemão Audi, BMW e Mercedes-Benz.
Mas vamos dar um exemplo didático e dramático, que é o da britânica Land Rover. Ela vendeu 9.385 carros em 2014, 8.815 em 2015 e 6.691 no ano passado. Neste ano, até julho, foram 3.541 unidades, o que projeta ao menos uma estabilidade num patamar muito baixo para quem investiu numa fábrica em Itatiaia (RJ).A BMW caiu de 15.853 em 2015 para 11.860 em 2016 (- 25%). E tende a cair mais um pouco este ano, a despeito de estar produzindo vários modelos em Santa Catarina. A Audi voltou a produzir no Paraná, mas viu suas vendas despencarem 34%, de 17.541 para 11.601 no ano passado.
LEIA MAIS: Nichos de mercado são uma boa aposta para montadoras e consumidores.
A líder desse segmento é a Mercedes, que até teve um momento de glória com o sucesso do GLA, chegando a vender mais de 20 mil unidades no total em 2015. Mas já caiu 34,6% no ano
passado, para 13.148, e mantém essa toada em 2017, mesmo com o início de operação de sua fábrica em Iracemápolis (SP). Já a sueca Volvo, que vendeu 3.823 em 2015, recuou para 3.456 em 2016 (-10%).
Na categoria superluxo, a situação é ainda mais dramática. As inglesas Aston Martin e Bentley encerraram suas operações. Rolls Royce vende um carro por ano, Lamborghini quatro, e até a
Ferrari, que chegava a emplacar cerca de 50 unidades por ano, não passa mais de 20. A única que cresceu foi a Maserati, graças ao SUV de luxo Levante, que levantou as vendas da marca
italiana para mais de 30 unidades/ano (perdoem, mas o trocadilho se impunha).
O que explica a queda?
Esses números já derrubam o mito de que o mercado de luxo não sofre com a crise. Mas o que explica esse recuo? Teriam os ricos do nosso país ficado mais pobres? Não aposte nisso. Prefiro um velho ditado que minha avó de 104 anos repete até hoje: “Ninguém fica rico ou se mantém rico rasgando dinheiro”. O empresário Sergio Habib, um dos mais experientes do setor automotivo no país, e que deixou de importar Aston Martin por conta da crise, tem a explicação na ponta da língua: “Rico faz conta em dólar”. Simples assim. São pessoas que viajam com frequência para o exterior, e que têm noção de quanto valem as coisas aqui e lá fora.
LEIA MAIS: SUVs são apenas uma moda, ou tendência sem volta para o mercado automotivo?
Se o carro no Brasil estiver com o preço (em dólar) um pouco acima do que é praticado lá fora, tudo bem, ele compra o carro de luxo. Mas se a diferença estiver gritante, como está desde a
disparada das moedas estrangeiras, ele começa a achar que está fazendo um mal negócio, mesmo que tenha dinheiro sobrando para tanto.
O que ele faz então? Fica mais tempo com seu carro de luxo seminovo, ou opta por um modelo nacional não tão luxuoso assim, enquanto os preços não chegarem ao patamar que ele
considera razoável. Isso ajuda a explicar porque há tantos carros de alto valor agregado frequentando a lista de mais vendidos nos últimos dois anos no Brasil. Toyota Corolla, Jeep Compass, Honda HR-V... Todos esses modelos que beiram os R$ 100 mil ou R$ 150 mil passam a ser opção provisória para alguns clientes mais abonados, que poderiam comprar belos importados alemães.
O aumento da violência urbana que sempre acompanha momentos de crise aguda também é levado em conta por potenciais compradores de importados de luxo. Ostentação em excesso pode ser inconveniente para o momento econômico, e potencialmente perigoso. Portanto, assim como nos segmentos de entrada do mercado, o mercado de carros de luxo só vai
reagir quando o Brasil sair do atual atoleiro.
Escreva para a coluna: [email protected], ou acesse no Facebook
e no Instagram pelo código glaucolucena67