Quando comecei a cobrir salões internacionais nos anos 90, inclusive o Salão de Frankfurt, ficava com inveja dos carros que não tinham a menor chance de chegar ao mercado brasileiro. Com o passar dos anos a globalização se intensificou e o Brasil entrou no mapa dos lançamentos globais. A imprensa brasileira visitava os salões de fora para conhecer modelos que logo chegariam por aqui. Mais recentemente, tivemos lançamentos simultâneos e até algumas primazias no país, como Nissan Kicks, Jeep Compass e Honda WR-V.
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Porém, nossa enorme crise trouxe de volta um perigoso distanciamento em relação ao que acontece nos principais mercados globais. E o Salão de Frankfurt, realizado este mês, evidenciou como estamos perdendo o bonde das novas tendências globais.
Basta dar uma conferida nas estrelas da exposição alemã, aqui mesmo no iG Carros. Os conceitos, que andavam um tanto sumidos dessas exposições, retornaram com tudo no Salão de Frankfurt. A indústria quer mostrar que tem armas para ingressar na era digital. E dá-lhe superesportivos híbridos (Mercedes-AMG Project One), microcarros autônomos sem volante (Smart Vision EQ), urbanoides futuristas (Honda Urban EV), jipões de luxo híbridos (BMW X7 Concept), crossovers elétricos (Audi Elaine) e até compactos elétricos bem próximos da realidade (Mercedes EQA). Só para citar alguns.
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Não havia carros de produção? Sim, mas contam-se nos dedos de uma mão os que chegam ao Brasil rapidamente, como o novo VW Polo (o nosso será um pouco diferente do alemão), a nova geração do SUV grande Kia Sorento e o Jaguar E-Pace, menor SUV da marca premium inglesa. Não fosse a febre dos SUVs, nem algumas dessas novidades teríamos.
O fato é que a indústria na Europa, América do Norte e parte da Ásia já se deu conta que o futuro do automóvel caminha para eletrificação, direção autônoma, conectividade e compartilhamento. E tudo isso junto, como destacou o diretor de Marketing da GM Mercosul, Hermann Mahnke, durante palestra ontem no fórum Tendências da revista Quatro Rodas.
Existe tecnologia para todas essas demandas da era digital? Algumas sim, outras estão em vias de ficarem prontas. E o custo? Ainda é alto, mas tende a cair com ganhos de escala. E a infra-estrutura? E a legislação? Isso os países mais desenvolvidos estão equacionando rapidamente. E é aí que mora o perigo para países como o Brasil, que tem a mais alta carga tributária do mundo, zero investimento em infra, exagerado protecionismo comercial, leis antiquadas e, o que é pior, uma frota envelhecida, poluente e potencialmente insegura, além de uma malha rodoviária das mais precárias.
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Segunda divisão
Sem resolver esses gargalos, o Brasil vai entrar para um bloco que chamo de “países desglobalizados”. Aqueles que não vão conseguir se conectar com o que de mais moderno existe em termos de mobilidade nos principais mercados. A segunda divisão da indústria automobilística. Esse é o grande risco que a revolução digital impõe aos países que não estiverem bem organizados para a grande virada da indústria 4.0 (ou além disso). A única esperança que nos resta é o sucesso do programa Rota 2030, que está em fase final de estruturação, envolvendo toda a cadeia automotiva e o governo federal. Ele estreia em 2018, em substituição ao protecionista (e equivocado) Inovar-Auto.
Mas todas as boas intenções terão de ser acompanhadas de foco, perseverança, vontade política e muito (muito mesmo) investimento por parte da indústria e dos órgãos públicos. Ou teremos de olhar cada vez mais para exposições como o Salão de Frankfurt com binóculo e uma ponta de inveja.
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