Durante mais de duas décadas, os SUVs médios foram considerados nicho de mercado no Brasil. Hoje, todas as marcas mais importantes querem entrar nesse jogo valioso, inspirados pelo sucesso do Jeep Compass. Me lembro bem, na época do lançamento, que muitos jornalistas achavam se tratar de mais um modelo de nicho. Isso foi há exatamente um ano.
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E o que aconteceu de lá para cá? O modelo produzido em Pernambuco engatou a sexta marcha (ou nona, no caso das versões diesel) e não parou de crescer. Talvez tenha surpreendido até gente dentro da FCA, que achava que ele não venderia tanto quanto seus irmãos de fábrica, o Jeep Renegade e a Fiat Toro. Pois ele está vendendo mais que seu irmão menor. E quase iguala em volume a picape Toro, embora a Fiat tenha uma rede três vezes maior que a da Jeep.
Os números impressionam. De janeiro a setembro, o Jeep Compass teve 34.526 unidades emplacadas. Este mês, já é o oitavo carro mais vendido, com 2 mil unidades na primeira quinzena. Só um SUV está à frente dele no ranking do ano: o Honda HR-V (34.925), que é rival do Renegade. Mas o Compass vem tirando diferença nos últimos meses e tende a fechar outubro (e o ano) como o SUV mais vendido do país. Detalhe: seus preços vão de R$ 106 mil a R$ 159 mil. As versões de maior sucesso estão na faixa de R$ 120 mil. Um fenômeno sob qualquer aspecto que se analise.
Até quando vai esse reinado?
Quem pode com esse Jeep? Os rivais atuais não lhe fazem cócegas. O vice-líder da categoria é o Hyundai iX35, que emplacou 7.515 até setembro, quase sete vezes menos que o Compass. O terceiro é o Mitsubishi ASX (3.447), dez vezes menos. Depois vêm Audi Q3 (3.185), BMW X1 (2.759) e Mercedes GLA (2.755). Esses cinco modelos são produzidos no Brasil, mas de forma tímida, com boa parte das peças importadas. Só a Jeep apostou na produção em larga escala e com maior índice de nacionalização. Os outros concorrentes são importados, como VW Tiguan, Peugeot 3008 e Toyota RAV4 – cada um vendeu este ano cerca de 500 unidades. Ou seja, é preciso somar todos os outros SUVs médios à venda no país para igualar o volume de emplacamentos do Compass.
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Dá para imaginar a margem de lucro de um modelo dessa faixa de preço, quase sem concorrente no mercado? Ele é o maior motivo de alegria da FCA e da rede Jeep. E causa inveja nos executivos, concessionários e acionistas das marcas rivais. Mas o fato é que até 2020 ele deverá voar em céu de brigadeiro, reproduzindo neste segmento o que foi o compacto Ford EcoSport em seus primeiros anos de vida. Um líder sem grandes ameaças no horizonte.
Eis que esta semana a GM anunciou um investimento em sua fábrica argentina, de R$ 1,5 bilhão, para ter um rival do Compass em 2020. Não será o Chevrolet Equinox, que começa a chegar este mês do México com preços a partir de R$ 150 mil (muito caro para incomodar o Jeep). Também a Volkswagen terá na Argentina um modelo derivado do Skoda Karoq (da divisão tcheca do Grupo) para brigar com o campeão, até 2020.
Algumas lições do caso de sucesso do Compass podem inspirar os concorrentes:
1. A marca tem peso. Jeep é uma marca associada a 4x4, aventura, liberdade e status. Não imagine que o Compass venderia tanto se tivesse o emblema de uma marca mais popular, como a Fiat.
2. Ter uma rede própria foi um acerto da FCA. A Fiat falhou ao tentar vender Alfa Romeo em lojas focadas na venda de Mille nos anos 90. Por isso foi criada uma rede própria para vender Renegade e Compass, especializada em modelos de maior valor agregado.
3. Oferecer muitas opções para fisgar vários perfis de clientes. O Compass tem motor flex ou diesel, dois tipos de câmbio automático, tração 4x2 ou 4x4, e quatro versões de acabamento.
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As duas primeiras receitas de sucesso são difíceis de serem imitadas. A GM poderia vender seu SUV médio e outros modelos de maior valor com a marca Cadillac ou Buick. E numa rede separada da Chevrolet, que hoje é uma eficiente máquina de vender Onix e Prisma. Isso exigiria forte investimento na divulgação de uma marca pouco conhecida no país. Mas garantiria status aos veículos e todo o foco dos times de venda e pós-venda.
O Grupo VW já tem uma marca de prestígio no Brasil, que é a Audi. Mas ela não parece disposta a abrir mão do emblema VW no seu anti-Compass, nem nos outros SUVs que pretende lançar no mercado brasileiro. Não me parece a estratégia mais sábia, mas só saberemos dos resultados na próxima década. A experiência mostra que marcas fortes em carros de entrada não conseguem vender tão bem modelos mais caros. E vice-versa. Por que será que a Toyota vende mais Corolla do que Etios? Ou a Nissan vende mais Kicks do que March?
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