No próximo dia 21 de março Ayrton Senna faria 58 anos. Poucos dias depois da data, em 25 de março, terá início mais uma temporada de Fórmula 1. Por isso, o assunto desta coluna volta a ser o automobilismo. Senna foi o último brasileiro campeão da categoria, que teve ainda no topo Nelson Piquet e o grande precursor de todos, Emerson Fittipaldi.
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Em comum, todo grande piloto dirá que as categorias de base do automobilismo foram fundamentais para seu desenvolvimento. E estamos falando de nomes que não tinham a tarefa apenas de pilotar, eles eram decisivos no desenvolvimento dos carros. Hoje, isso ainda acontece, mas com tanta tecnologia, nenhum piloto irá sujar a mão de graxa ou se arriscar a mexer num motor.
Na última semana, a coluna publicou opiniões do jornalista Reginaldo Leme, que cobre a F1 há 46 anos. Hoje, aproveito para compartilhar mais alguns trechos da entrevista que contribuem para a discussão. “A falta de uma categoria de monoposto para o garoto se preparar sem deixar o Brasil fez com que kartistas que se destacaram por aqui deixassem o país mais cedo do que o normal para se aventurar no automobilismo europeu”.
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Esporte para poucos
O automobilismo já é um esporte caro desde os primeiros passos no kart, que tem modalidades como a Fórmula Vee e a recém chegada Fórmula Inter - que usa motores Ford Duratec 2.0 16v e construção em fibra de carbono - em seu paralelo. A mudança para um monoposto acarreta ainda mais investimentos. Sem uma categoria-escola por aqui minimamente viável, a maioria dos garotos não tem condições de seguir a carreira nos fórmulas. Muitos continuam apenas se divertindo no kart ou migram para os carros de turismo, que hoje sim tem força no Brasil com a Stock Car. Basta ver que a abertura da competição numa corrida em duplas teve dez ex-pilotos da F1 no grid.
Fórmula Ford – o início de tudo
A categoria que levava o selo da Ford foi por muitos anos um verdadeiro celeiro. Atraia o olhar de grandes equipes. Tudo começou com a Fórmula Ford europeia onde Emerson Fittipaldi, em 1969, estreou internacionalmente. Ele também foi o campeão do Torneio BUA de Fórmula Ford Brasil nas corridas inaugurais dessa categoria no País em 1970.
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O modelo de fora seria trazido com muito sucesso para o Brasil. Com corridas no recém-inaugurado autódromo de Interlagos, e em Curitiba, Rio de Janeiro e Fortaleza, a Fórmula Ford iniciou um campeonato brasileiro em 1971 que durou até 1996. A F-Ford foi baseada nos regulamentos da categoria inglesa e durante muitos anos seguiu os gabaritos técnicos de lá. Eram literalmente iguais, o que motivava quem competia no Brasil.
Outros pilotos que também chegaram à F1 e outras categorias iniciando na Fórmula Ford brasileira foram Alex Dias Ribeiro, Luciano Burti, Gil de Ferran, Christian Fittipaldi e Rubens Barrichello.
Hoje, é difícil sonhar com algo nesse modelo. A Fiat e Felipe Massa foram os últimos a tentar ao lançar a Fórmula Futuro. Mas foram disputadas apenas duas temporadas em 2010 e 2011. Atualmente, a Fórmula Inter vem ocupando esse espaço, pois pensando em protótipos Fórmula, é o mais viável que há hoje no Brasil. Confira o calendário dessa categoria, pois haverá uma corrida no dia 8 de abril, o que pode ser uma boa oportunidade para um primeiro contato.
Os pilotos dependem muito do apoio das famílias, como o filho de Nelson, Pedro Piquet. E de patrocinadores fortes, como Pietro Fittipaldi. O neto de Emerson é apoiado pelo empresário bilionário mexicano Carlos Slim.
O brasileiro hoje mais próximo da F1, Sérgio Sette Camara, já fez parte do time de jovens pilotos da Red Bull. Ele deixou o programa, mas foi um grande empurrão na carreira. Agora terá mais um teste de fogo na Fórmula 2. “Ele vai ter um duelo muito duro com o companheiro Lando Norris, que já é piloto reserva da McLaren e, mais do que isso, é o inglês da vez. Sendo preparado pela McLaren há alguns anos, como aconteceu com Lewis Hamilton, Norris é a aposta inglesa e os dois correrão juntos numa equipe inglesa”, analisa Reginaldo Leme.
Aniversário do ídolo
Ayrton Senna, que completaria 58 anos na próxima semana, nunca escondeu que foi longe graças ao kart quando usava o número 42. No início da década de 80, ele visitou a sede da Ford para discutir seu futuro. Era um tempo em que a montadora americana tinha forte imagem no automobilismo e o promissor piloto foi explicar os próximos passos da carreira.
Conheci Ayrton, que era tímido, de poucas palavras. Claro que não daria para imaginar onde ele chegaria e a idolatria que conquistou. Eu tinha 28 anos e uma das minhas tarefas na Ford era acompanhar as corridas que levavam o nome da montadora. Uma diversão misturada ao trabalho. Não existiam tantas barreiras entre pilotos, equipes, jornalistas e público. Se na F1 da época, já era muito tranquilo circular nos boxes e ver o desenvolvimento dos carros, imagine numa categoria de base.
Uma pena pra mim que Ayrton optou por pular do kart diretamente para monopostos na Europa, e sorte e competência dele que brilhou logo de cara. Primeiro, foi campeão da Fórmula Ford 1600 inglesa, em 1981. No ano seguinte, desembarcou na Fórmula Ford 2000. Disputou os campeonatos inglês e europeu sendo campeão dos dois. Foi ainda para a Fórmula 3 até chegar na Fórmula 1. E lá todos já sabem a história. Tricampeão da categoria até o acidente fatal em 1994.
Esses breves relatos mostram como a ausência de uma categoria-escola de monoposto no Brasil é fator decisivo na perda de força do nosso automobilismo.
Atenção ao spoiler agora. No documentário “Senna”, que está disponível no Netflix, toda a trajetória dele é descrita.
Não quero entrar em ufanismos ou qual o melhor piloto brasileiro, mas o filme traz um recado interessante de Senna ao ser questionado numa entrevista qual era o piloto que teve mais prazer de enfrentar. Em inglês, ele responde que seria necessário voltar para 1978, 1979 e 1980 quando saiu do Brasil para competir. O nome escolhido foi o kartista inglês Terry Fullerton, e Senna completa “era pura pilotagem, puro automobilismo. Não tinha política envolvida no automobilismo, nem dinheiro. Era corrida de verdade.”