Ao comprar um carro, muita gente se preocupa com o estado geral do veículo, mas nem sempre presta atenção ao que se passa debaixo do capô. O motor, sendo o coração do veículo, pode ter passado por reparos, substituições de peças ou até uma retífica completa — o que pode impactar diretamente o desempenho e a vida útil do automóvel.
Mas como saber se o motor foi mexido? Será que é possível identificar isso apenas com uma olhada rápida? Conversamos com o Professor Dr. Marcelo Augusto Leal Alves, do Centro de Engenharia Automotiva da Universidade de São Paulo (CEA-USP), que esclareceu as principais dúvidas sobre o tema.
Sinais visuais: o que pode indicar alterações no motor
Segundo o professor, na maioria dos casos, não há sinais externos óbvios de que o motor foi refeito ou recuperado. No entanto, algumas pistas sutis podem surgir, especialmente se o serviço não foi feito com atenção aos detalhes originais do veículo.
“Pode haver sinais bem sutis, por exemplo, quando não foram usados parafusos do mesmo tipo para fechar o cabeçote ou quando as tampas de válvulas foram trocadas. Componentes como bomba d’água diferentes dos modelos originais também podem ser usados. Alguém com conhecimento técnico pode detectar essas mudanças”, explica o especialista.
Ou seja, olhar para o motor e ver peças diferentes das originais de fábrica pode ser um primeiro alerta — ainda que não definitivo.
Componentes que denunciam uma possível intervenção
Mas se as alterações não forem visíveis, como saber? A resposta está, muitas vezes, no interior do motor. Para ter certeza de que houve intervenção, seria necessário desmontá-lo.
“Normalmente é preciso desmontar o motor e verificar se houve troca de pistões e anéis, bronzinas nos mancais do motor, ou se houve retífica no virabrequim. Medidas diferentes das originais indicam desgaste ou substituição”, afirma o professor Marcelo.
Isso significa que, em oficinas ou inspeções especializadas, onde há a possibilidade de abrir o motor e medir seus componentes, é possível identificar se ele passou por um retrabalho mais profundo.
Trocas por desgaste não significam necessariamente adulteração
Um ponto importante é entender que a substituição de peças desgastadas, como pistões, anéis e bronzinas, nem sempre significa que o motor foi “mexido” de forma negativa. Isso pode fazer parte de uma manutenção legítima e necessária.
“Não necessariamente caracteriza que o motor foi mexido. Para recuperar o motor pode ser necessário trocar as peças que sofrem mais desgaste”, esclarece o especialista da USP.
Ou seja, o fato de o motor ter passado por uma manutenção não é algo ruim — desde que tenha sido feito de forma correta, com peças adequadas e dentro dos padrões técnicos recomendados.
E o que um leigo pode observar?
Para quem não tem conhecimento técnico, identificar alterações no motor pode ser bastante difícil. Segundo o professor, só há chances de perceber algo diferente caso as mudanças envolvam peças externas visivelmente distintas das originais.
“Para um leigo pode ser difícil detectar que o motor tenha sido modificado, a menos que tenham sido usadas peças externas com características muito diferentes das originais”, diz ele.
Por isso, a recomendação é sempre contar com a ajuda de um mecânico de confiança ou levar o carro para uma avaliação antes da compra.
Documentos e registros ajudam?
Sim, e muito. O histórico de manutenções, especialmente quando registrado em notas fiscais, pode trazer pistas valiosas sobre intervenções feitas no motor ao longo do tempo. Revisões feitas em concessionárias também costumam ser registradas e acessíveis.
Mas há uma observação importante: se o motor foi modificado para ter mais desempenho, por exemplo em carros preparados para corrida ou tuning, ele tende a se desgastar mais rápido — e isso pode deixar sequelas, mesmo que as peças tenham sido trocadas ou o motor retornado ao seu estado original.
“Nesse caso, mesmo que o motor seja retornado às características originais, é possível que peças como virabrequim, bloco e cabeçote estejam comprometidas”, alerta o professor.
Por fim...
Saber se o motor de um carro foi mexido não é uma tarefa simples, especialmente para quem não tem familiaridade com mecânica automotiva. Em geral, são necessárias observações técnicas, desmontagens e medições que só profissionais especializados conseguem realizar com precisão.
Para o consumidor, a dica é clara: desconfie de alterações visuais, peça documentos e, principalmente, conte com uma inspeção técnica antes de fechar negócio. Afinal, o motor é uma das partes mais caras e delicadas do veículo — e qualquer surpresa pode custar caro no futuro.