Fala, galera. Beleza? Nem parece que já se passou um ano desde que comecei a escrever a coluna no Portal iG. Nada melhor para comemorar essa data do que falar de outra pauta que gerou muita repercussão em uma publicação. Aliás, estou pensando em tornar como padrão: Se gerar polêmica, vale a pena continuar a falar do assunto.
O vídeo foi publicado no Instagram no último sábado (6) e, até o momento, foram mais de 15.000 visualizações, 199 comentários e 207 curtidas. Ela mostra o procedimento de reabastecimento de um posto de combustível com fluxo intenso.
Apenas para contextualizar: eu estava aguardando um pessoal no posto Rede Papa, onde foi instalado o primeiro carregador Shell Recharge no Brasil. Enquanto isso, eu observava a operação de manobra das carretas bitrem que chegaram para abastecer os tanques do posto de combustível.
Decidi conversar com os caminhoneiros e com o funcionário do local para entender mais sobre o procedimento e o tempo necessário para concluir a operação. Me informaram demorar, aproximadamente, 45 minutos para carregar e mais 45 minutos para descarregar os 60.000 litros de combustível de cada bitrem. O posto em questão recebeu três carretas no mesmo dia e receberia mais três no domingo, ou seja, mais de 360.000 litros de combustível em apenas dois dias.
Se considerarmos um tanque de 40 litros por carro, seria o suficiente para abastecer 9.000 veículos. Uau, então por que seria um problema? É muito mais simples abastecer um carro a combustão que um veículo elétrico. Concordo em partes, mas se considerarmos o tempo de cada veículo.
Para isso, vamos fazer um exercício seguindo o caminho inverso, do abastecimento à geração. De acordo com o blog do ClubPetro, o abastecimento com frentista demora em média 3 minutos (não lembro de ser tão rápido, mas ok). Se um posto de grandes proporções possuir 12 bombas em operação por 24 horas, esses 360.000 litros seriam consumidos em apenas um dia e meio.
Seguindo esse cálculo tão simplório, faltaria combustível para tanto abastecimento. Mas é claro que não podemos contar com todas as bombas operando 24h sem parar. Então, para sermos justos, consideremos 4.500 carros abastecidos em um dia. É um número muito impressionante, não há como desconsiderar. Mas convenhamos que é difícil imaginar que quase 190 carros sejam atendidos realmente em apenas uma hora, todavia darei benefício da dúvida.
Agora voltando para os caminhões bitrem, o procedimento de carga e descarga de 60.000 litros (em uma operação perfeita) leva 1h30min, mas o deslocamento da base de São Caetano do Sul até o Limão demora por volta de um hora para rodar aproximadamente 30 km. Vale lembrar que o combustível veio antes de uma refinaria, onde a gasolina recebe o etanol e aditivos, que pode estar há alguns quilômetros ou a milhares de quilômetros de distância.
É na refinaria que o petróleo cru sofre o processo que irá gerar seus derivados, entre eles a gasolina e o diesel. Algo que não se pode dizer é que o refino consiste em um processo simples. De acordo com o site alémdasuperfície.org , o petróleo cru é submetido a destilação a altas temperaturas (370°), depois pela conversão e por último a purificação que, dentre outras coisas, o principal elemento retirado é o enxofre.
Todo esse processo só pode ocorrer após a extração em alto mar, em profundidades impressionantes. O poço de petróleo brasileiro mais profundo atingiu a marca de 7.700 metros. Depois disso, o petróleo é transportado por navios e oleodutos. Infelizmente essa operação não é tão limpa ou isenta de acidentes.
É importante lembrar que o Brasil pode até produzir um grande volume de petróleo, mas ainda assim depende da importação de parte dos insumos para constituir o que se chama de blend.
Claro que não podemos excluir deste texto o queridinho do Brasil, o Etanol. A principal diferença entre a gasolina e o etanol é da etapa da refinaria para trás. O Etanol é produzido a partir de uma safra de aproximadamente 18 meses que, após a colheita é transportada para as usinas e passa por um processo de fabricação tão complexo quanto o da gasolina.
Agora, falando da eletricidade, o site do Ministério de Minas e Energia publicou no dia 11 de abril que a matriz energética brasileira ampliou em 2.746 MW somente no primeiro trimestre de 2023. Esse valor refere-se à adição de produção de energia no Brasil graças a 82 novas usinas de energia instaladas em 13 estados diferentes.
Muitas pessoas estão preocupadas com o quanto de energia elétrica que uma frota brasileira poderia consumir e risco de um colapso no sistema elétrico brasileiro. Pelos números apresentados, acredito que é possível gerar menos pânico quanto ao assunto.
Para termos uma ideia do potencial de energia fornecido por uma hora somente em estas 82 novas usinas, vou utilizar o parâmetro de consumo do veículo elétrico mais vendido do Brasil. O Volvo XC40 P6, de acordo com o PBEV, possui um consumo de 0,73 MJ/km, ou seja, ele consome 21,11 kWh/100 km. Com os 2.746 MWh, seria possível rodar quase 13 milhões de km com um carro elétrico. Se formos dividir pela frota atual de veículos 100% elétricos (16.329), cada veículo rodaria uma média de 796 km. Lembrem-se, refere-se apenas a adição de capacidade de produção no primeiro trimestre de 2023.
Não posso dizer que a transmissão da energia elétrica é algo simples ou mesmo barato, dependemos de sistemas interligados, subestações, geradores, transformadores. Todavia, mesmo com a complexidade de um sistema elétrico, a energia produzida em Itaipu chegará até São Paulo em apenas 9 segundos, considerando a distância de 900 km e a velocidade de 100.000 m/s.
Sobre a transmissão de energia, o sistema tem melhorado com as produções distribuídas e ainda precisa evoluir muito mais. Mas o principal desafio está na ponta, no carregamento dos veículos. Diferentemente dos carros a combustão, que possuem toda uma cadeia complexa para produção e distribuição do combustível, a mobilidade elétrica encontra seu maior gargalo na ponta final.
Vale ressaltar que tanto no caso dos veículos à combustão quanto nos veículos elétricos há uma probabilidade muito baixa de consumo imediato de toda a energia disponível no local de abastecimento/carregamento. No exemplo do posto de combustível, com três bitrens, imagina-se que o combustível acumulado seria de 180.000 litros. Para consumir essa quantidade simultaneamente, estimo que seriam necessárias 4.500 bombas de combustível. Até os carros a combustão precisam de um tempo para abastecimento, confesso que é menor, mas ainda sim é comum ficar em filas nos postos.
Em relação ao tempo de carregamento dos veículos elétricos, fico confuso sobre qual é o real desejo das pessoas que comentam nas publicações. Ou o carro demora muito para carregar, ou pode sobrecarregar o sistema. Se demora muito é ruim, se carregam muito rápido, é perigoso.
Muitas pessoas estão preocupadas com o quanto de energia elétrica que uma frota brasileira poderia consumir e o risco de um colapso no sistema elétrico brasileiro. Pelos números apresentados, acredito que é possível gerar menos pânico quanto ao assunto.
Vamos fazer um pequeno exercício: se toda a frota de veículos elétricos estivesse carregando ao mesmo tempo com equipamentos de corrente contínua em 50 kW, o consumo exclusivamente para a recarga seria de 816,45 MW, um valor bem expressivo em concentração, mas mínimo se considerarmos o consumo em nível Brasil. No último dia 9, alcançamos 50,5 GW. A energia necessária para carregar a frota elétrica atual não chegaria nem a 2% do consumo nacional.
A produção precisa ser intensificada, sim, mas não é o principal gargalo. Em resumo, há como aumentar em muito a potência e o volume de carregamento simultâneos dos veículos elétricos sem gerar esse colapso tão temido, desde que as pontas do sistema estejam preparadas para isso.
Agora, convenhamos, se somos capazes de extrair petróleo a quilômetros de profundidade, produzir milhões de hectares de canal, industrializar e transportar milhões de litros de combustível por todo o território nacional, não teremos capacidade de montar uma rede de carregamento para os veículos elétricos?
Pode ter certeza que os postos de combustíveis terão longa vida no Brasil, mas isso não exclui a necessidade do desenvolvimento de redes de carregamento. Afinal, os veículos elétricos não são o futuro, já estão entre nós e em volume que a maioria dos céticos gostaria de ver.
Até mais.