Criado para ser um esportivo barato e acessível, o Toyota GT86 quase veio ao Brasil em 2014.
Divulgação/Toyota
Criado para ser um esportivo barato e acessível, o Toyota GT86 quase veio ao Brasil em 2014.

Na frota de imprensa da Toyota, há um pequeno carro vermelho que não está à venda. Símbolo de uma época não muito distante, quando o mercado batia recorde de vendas e todos nós, tanto fabricantes quanto clientes, sonhávamos com condições ainda melhores para o Brasil. O Toyota GT86 foi importado pela marca para participar do Salão do Automóvel de 2012 e, embora não admitam isso até hoje, homologar o pequeno esportivo para comercializá-lo por encomenda.

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Veio a crise e isso não aconteceu. Uma pena, pois o Toyota GT86 seria um ótimo showcar para a empresa, servindo de exemplo do que a Toyota consegue fazer quando coloca os engenheiros para produzir algo bonito e divertido de dirigir. Mesmo que tenham desistido do plano de lançar o esportivo por aqui, o que o torna praticamente irrelevante, é um carro que eu deveria guiar uma vez na vida. Felizmente, tive essa oportunidade.

Cada apaixonado por carro teve algo que serviu de motivo para conhecer e amar os automóveis. Alguns herdaram lendo revistas que os pais ou avôs assinavam, outros pelo automobilismo. No meu caso, foi muito depois, com a série de mangás (quadrinhos japoneses) e anime Initial D e que completa hoje 21 anos desde o lançamento do primeiro volume. Nela, o protagonista corre pelas estradas de montanhas no Japão com um Toyota Sprinter Trueno .

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Isso é muito importante para entender o espírito do GT86 . O Trueno é conhecido como AE86 , seu código de chassi, e era uma opção bem popular no automobilismo desde o seu lançamento por ser um hatchback leve (910 kg), com tração traseira e o motor 4A-GEU, de 130 cv. Ficou mais famoso depois do famigerado vídeo Plump , em que Keiichi Tsuchiya fazia drift com ele pelas montanhas no Japão. Tsuchiya ficou famoso a ponto de receber o apelido de Drift King .

Quase lendário, o icônico Toyota Trueno AE86 serviu de inspiração para o GT86 até no uso do número
Reprodução
Quase lendário, o icônico Toyota Trueno AE86 serviu de inspiração para o GT86 até no uso do número "86".

Initial D apenas aumentou a fama do Trueno , tornando-o um carro muito procurado, mesmo depois de anos desde o fim de sua produção. Há homenagens em diversos jogos de corrida e até mesmo no terceiro filme da série Velozes e Furiosos (que tem uma participação do Tsuchiya). Poucos carros da Toyota atingiram o status do pequeno AE86, principalmente desde que a marca se afastou da produção de veículos com apelo esportivo. O Toyota GT86 veio para ser o AE86 do século XXI. 

Toyotinha

Andar com o Toyota GT86 foi uma experiência interessante, não só por sua mecânica, mas pelo efeito que ele causava em quem estava em volta. Equipado com o motor 2.0 boxer, de 203 cv a 7.000 rotações e 20,9 kgfm de torque a 6.000 rpm, o som que ele produz chama a atenção por ser bem diferente do que estamos acostumados. O ronco de um boxer é bem característico e alto como o de um outro motor maior.

Junte esse som ao design do Toyotinha. O cupê foi desenhado com inspiração em outro esportivo clássico da marca, o 2000GT . É extremamente baixo, tanto na postura quanto na posição de dirigir. O teto praticamente não tem uma parte em que fica reta, tornando-se curvado até chegar na tampa do porta-malas. Na cor vermelha, fazia com que algumas pessoas achassem que era uma Ferrari, apenas para segundos depois perceber o logo da Toyota e ficar coçando a cabeça.

Não posso culpá-los. Quando retirei o carro com a Toyota , já o observava como uma criança olha ansiosa para o presente de Natal. Para entrar, tem que fazer um pouco de contorcionismo, já que a posição de dirigir é muito baixa – tão baixa que, quando olho para o lado no trânsito, não passo da altura dos pneus de um ônibus. Espaço, só para duas pessoas, pois o banco traseiro é pequeno demais, embora seja possível colocar uma pessoa lá (se ela gostar de ficar em posições desconfortáveis ou fizer yoga).

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Logo ao começar a dirigir, fica claro que o GT86 é um esportivo que segue o espírito que Akio Toyoda, atual presidente da marca, queria trazer de volta. O motor boxer permite que ele tenha um centro de gravidade muito baixo, o que o deixa muito afiado. Ultrapassagens são fáceis de fazer e o cupê está sempre na mão. A alavanca do câmbio de seis marchas tem engates curtos e precisos e que fazem um som delicioso a cada troca de marcha. Por outro lado, a embreagem dura torna-se cansativa após algum tempo no anda e para do trânsito.

Não levou 15 minutos desde que saí com o carro para começar a chamar a atenção. Para um jornalista automotivo, é normal ver pessoas tirando foto quando estamos em algum veículo diferente, mas não lembro de nenhum que tenha feito o mesmo sucesso que o GT86 (nem mesmo o belíssimo Jaguar F-Type ). Estava até perigoso, pois algumas pessoas tentavam fotografar o cupê com o celular enquanto dirigiam. Até mesmo um motoqueiro, em movimento, sacou o aparelho para registrar o carro. É surreal.

Na hora de abastecer, encontro um dos motivos pelo qual a Toyota ficou com receio de vender o GT86 no Brasil: o motor bebe gasolina premium e usar algo abaixo disso é um risco, pelo nível de mistura com etanol. Abastecer com o melhor combustível possível pesa no bolso, mesmo que o esportivo faz 12,3 km/l, um bom rendimento para um carro desses. Pelo menos pude me divertir com a reação dos frentistas e de quem mais estava parado no posto.

Fora da realidade

Aos poucos, começo a entender porque seria difícil vender o Toyota GT86 no Brasil. É impraticável dirigí-lo todos os dias. Seu porta-malas de 237 litros é muito raso.,Então, encaixar uma mala atrás para viajar beira o impossível. A suspensão esportiva faz questão de repassar cada detalhe da pista para dentro do veículo e passar em lombadas exige muito cuidado e, ainda assim, com chance de raspar a parte de baixo do carro.

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Divulgação/Toyota

Toyota GT86 tem câmbio manual e posição de dirigir bem baixa, quase rente ao assoalho

O interior é bem espartano. Tem acabamento de couro e que pode ser combinado com outra cor – a unidade que a Toyota tem no Brasil combina vermelho e preto, que pode ser muito juvenil para os mais velhos. Outro problema nesse GT86 é que veio com o mínimo de equipamento possível. Tem um rádio simples com USB, controle de cruzeiro e ar-condicionado. Em outros paises, é possível colocar uma central multimídia com GPS e sensor de estacionamento.

Por ser um esportivo voltado para queimar pneus fazendo drift nas pistas, não é um carro para qualquer um. Mesmo com o controle de tração ligado, é possível notar a traseira querendo sair ao entrar em uma curva com um pouco mais de velocidade. No console central há um botão que desliga o controle de estabilidade. Faça isso e o GT86 vai deslizar facilmente até na esquina da sua casa. É divertido e, ao mesmo tempo, extremamente perigoso nas mãos de um motorista inexperiente.

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Divulgação/Toyota

Toyota GT86 é um cupê para quem realmente gosta (e sabe) domar um verdadeiro esportivo

No entanto, o maior obstáculo é o preço. Atualmente, é vendido nos EUA por US$ 26.255, já na versão reestilizada. Quando a Toyota cogitou trazê-lo ao Brasil, a cotação do dólar estava bem mais baixa e, naquela época, já projetavam um valor de revenda na casa dos R$ 130 mil. Hoje, com a moeda norte-americana valendo ainda mais, poderia passar de R$ 180 mil, completamente fora da realidade para um esportivo com a proposta de ser barato.

Ficaria difícil convencer as pessoas a comprarem, ainda mais que a maior parte dos ditos “entusiastas” estão mais preocupados em travar uma disputa de Super Trunfo, sobre qual carro é mais rápido. O espírito do GT86 é o contrário disso, é o de um esportivo que usa o mínimo de computadores controlando o veículo, para oferecer a experiência de dirigir mais pura possível. É feito para quem gosta de verdade de carros e que não vai conseguir segurar o riso ao acelerar.

Isso tudo é uma pena. Duro, sem espaço, e com poucos equipamentos e, ainda assim, os dias que passei com o Toyota GT86 estão entre os melhores. Nenhum outro carro me fez ou me fará sorrir como ele só de pensar que iria dirigí-lo mais um pouco. Se tivessem vendido em 2014, teria feito de tudo para ter um. Claro, há outros esportivos mais potentes, funcionais e, talvez, até mais em conta do que ele no Brasil. Mas, sinceramente, tenho plena convicção que nenhum deles me deixaria tão feliz quanto o Toyotinha.

Ficha Técnica

Preço: US$ 26.255

Motor: 2.0, quatro cilindros opostos (Boxer) 

Potência: 203 cv a 7.000 rpm

Torque: 20,8 kgfm a 6.000 rpm

Transmissão: Manual, seis marchas, tração traseira

Suspensão: McPherson (dianteira) / Dupla A (traseira)

Freios: Discos ventilados (dianteiros) / discos sólidos (traseiros)

Pneus: 205/55 R16

Dimensões: 4,24 m (comprimento) / 1,77 m (largura) / 1,28 m (altura), 2,57 m (entre-eixos)

Tanque : 50 litros

0 a 100 km/h: 7,6 segundos

Vel. Max: 233 km/h

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