Teste: Citroën C3 1.6 automático é o mais SUV possível, mas deve itens

A terceira geração produzida no Brasil é espaçosa e confortável, porém tem preço de concorrentes mais evoluídos

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Citroën C3 1.6 automático tem estilo de sobra

O novo Citroën C3 surgiu para lutar em um nicho logo acima do ocupado pelo Renault Kwid . Foi pensado como um hatch com carinha de SUV, com ampla altura do solo e espaço interno maior do que o oferecido por qualquer modelo de entrada no segmento.

Outro bom argumento é o estilo, algo que o destaca no mercado e passa personalidade . Talvez nem tanto se você compará-lo ao C4 Cactus , que era tratado como hatch na Europa, mas assumiu a postura de SUV por aqui graças à suspensão mais elevada.

Olhando de frente, o que chama mais atenção são os faróis bipartidos, um toque à moda da Citroën que também foi adotado pelo Renault Kwid . É algo que está se tornando moda em outros segmentos. Os LEDs de rodagem diurna ficam acima e nas laterais dos faróis.


Tudo nele foi pensado para transmitir a sensação de ser um pequeno utilitário. Vamos ao checklist: suspensão elevada? Checado. Capô alto? Checado. Teto bicolor? Checado. Caixas de rodas com proteções de plástico? Checado. 

A lista de checagem poderia seguir adiante e adiante, mas dá para dizer que o C3 poderia adotar o sobrenome Cactus e ser classificado pelos departamentos de marketing e engenharia da marca como SUV perfeitamente. Afinal, se o Kwid pode, por que não o Citroën? A impressão de porte maior funciona. Nem parece que o C3 tem 3,98 metros de comprimento - são apenas 17 cm a menos que o C4 Cactus.

Como o C3 1.6 automático se encaixa no mercado? 

Tenho certeza que as versões mais baratas convencem aqueles que desejam mais espaço do que o oferecido pelo Kwid ou Mobi, ainda que o custo seja um pouco maior, uma vez que o Renault parte de R$ 66.590 e o Fiat, por sua vez, custa R$ 68.990, ambos um pouco mais baratos do que os R$ 69.990 do C3.

Se é uma compra indiscutivelmente boa entre os 1.0 mais baratos, o C3 1.6 já enfrenta uma concorrência mais dura quando se trata de hatches mais caros. 

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Versão Feel Pack 1.6 automática tem bom desempenho


Testado na versão Feel Pack 1.6 automática, o C3 custa R$ 96.990 no estado de São Paulo . O valor sobe de acordo com a pintura escolhida, especialmente se tiver o belo teto branco. Na versão avaliada, o tom azul metálico com teto no tom contrastante adiciona R$ 2.600. 

Não é que ele seja mais caro do que os concorrentes com motor 1.0 turbo ou 1.6, o problema é o nível de recheio . O grande senão vai para a lista de equipamentos, ausências que ganham peso redobrado quando se leva em consideração as lista de itens de outros compactos.

O principal ressentimento vai para a falta imperdoável de airbags laterais dianteiros e do tipo cortina , equipamentos de segurança que vem de série em todas as versões no Chevrolet Onix , por exemplo. Há apenas os obrigatórios frontais e os controles eletrônico e de estabilidade, que estão aí, mas não impedem essa derrapada.

Há dois rivais que também não oferece tantos itens: o Renault Stepway , que tem motor 1.6, câmbio automático do tipo CVT e ganha do Citroën apenas na oferta de airbags laterais, pois o nível de itens gerais é mais baixo (que o diga a pobre central multimídia) e o preço chega a absurdos R$ 112.290 .

Já o Fiat Argo Trekking 1.3  recebeu câmbio CVT e parte de R$ 96.990 , perdendo para o Citroën em desempenho e empatando em segurança, visto que também deixa de fora os airbags laterais. 

Tais ausências são sentidas no dia a dia. O ar-condicionado não é digital , o que não permite selecionar com precisão a temperatura e, com isso, deixar o climatizador manter aquela opção sozinho.

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Estilo lembra o do C4 Cactus, mas em versão toy

Por sua vez, o quadro de instrumentos é de uma simplicidade comovente. Há apenas uma pequena tela central monocromática, nada de conta-giros. Em comparação ao painel digital do Volkswagen Polo , o C3 leva um gol da Alemanha. O mostrador exibe informações do nível de combustível e temperatura do motor, as demais luzes ficam à esquerda e à direita.

A simplicidade do quadro é exacerbada ao compará-la ao visual da central multimídia, que conta com tela de 10 polegadas . Com alta resolução e cores vibrantes, o multimídia tem conexão com Android Auto e Apple CarPlay sem fio, além de oferecer três portas USB (uma no painel e duas para quem vai atrás). Composto por alto-falantes dianteiros, traseiros e dois tweeters frontais, o sistema de som também tem clareza e volume adequados.

Voltado ao que ele deve. Um outro exemplo é a falta do apoio para o pé esquerdo , afinal, você não vai usá-lo quando estiver dirigindo. Sei que inserir mais itens encarece um projeto nascido para ser barato de produzir, mas é algo simples e bem-vindo. Da mesma maneira, bastou levar uma carona de 1,56 metro para ela reclamar da falta de ajuste de altura do cinto.

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Quadro digital monocromático de instrumentos é muito simples


A lista de equipamentos que fazem falta vai além do citado. Não há chave presencial - a que equipa o C3 não é sequer canivete , um retrocesso duplo. O barulho do acionamento das travas das portas também poderia ser mais agradável. 

Ausente no Citroën, o banco traseiro bipartido sempre facilita a vida daqueles que precisam equilibrar o espaço para pessoas e bagagem.

Para não dizer que eu não falei apenas das ausências, vamos ao que o C3 Feel Pack traz: ar-condicionado; direção elétrica; sensor de pressão dos pneus; rodas de liga de 15 polegadas; alarme; câmera de ré; retrovisores elétricos; vidros elétricos um-toque para as quatro portas; barras transversais no teto e comandos de som no volante, além dos itens citados em outros pontos.

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Citroën C3 fica devendo ar-condicionado digital e mais refinamento a bordo

Além da pintura, o único opcional é o Protection Pack, pacote que traz protetor de cárter e frisos laterais. Completo, o Feel Pack 1.6 automático chega a R$ 99.590


Como é o desempenho e a dinâmica

Sem apelar para o motor 1.3 aspirado ou 1.0 turbo da companheira Fiat, o C3 utiliza o clássico 1.6 16V da época da PSA. O quatro cilindros pode não ter a pegada forte em baixas rotações imprimida pelos rivais 1.0 turbo tricilíndricos, contudo, leva bem os 1.152 kg do hatch. 

São 120/113 cv de potência a 6.000 rpm (etanol/gasolina). O regime de rotações do torque máximo muda de acordo com o combustível utilizado, chegando a 15,7 kgfm a 4.500 rpm com etanol e 15,4 kgfm a 4.250 rpm com gasolina . O câmbio automático de seis marchas tem trocas sequenciais na alavanca e faz tudo direitinho para você não precisar recorrer a isso. Reduções rápidas e freio motor bem calibrado são vantagens da caixa. 

De acordo com a Citroën, a aceleração de zero a 100 km/h leva 11 segundos com gasolina e 10,4 s com etanol . Você vai sentir mesmo uma diferença na pegada nas arrancadas e também nas retomadas, dado que é impossível notar que o motor grita mais do que roncaria em um turbo.

Segundo informações oficiais, o consumo ficou em 10,3 km/l de gasolina na cidade e 12,4 km/l na estrada, contra 7,2 km/l e 8,5 km/l com etanol . Os números com gasolina são elogiáveis, porém, a coisa muda com etanol. Vale a pena dizer que o modelo manual é muito melhor nesse aspecto, algo que não deve ser explicado apenas pelos 45 kg a mais de peso.

A tocada no dia a dia é agradável . Ele pode não ter aquela força em baixa dos concorrentes turbinados, no entanto, não chega a ser apático. Acionado por um botão à esquerda da direção, o modo Eco dá uma segurada nas reações e está mais voltado aos trechos planos ou não muito inclinados. 

Eu gostaria de poder falar um pouco mais sobre o nível de rotação, mas o meu ouvido não é tão preciso quanto um conta-giros. A despeito disso, a impressão é inevitável: você terá que pisar mais e, com isso, consumir um pouco mais também.

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Além de ter ótimo tamanho e disposição horizontal, a central agrada em intuitividade

Embora jornalistas automotivos não costumem nutrir uma paixão por carros altinhos, a verdade é que essa característica me salvou assim que fui retirar o carro. Sob um temporal, quase fiquei preso no carro de aplicativo que me levou. 

Localizado na Zona Sul de São Paulo, o escritório da Citroën fica em um prédio que estava cercado de água, um nível de alagamento que me deixaria receoso de passar com o meu carro, pois ele tem distância ao solo semelhante ao nível de uma tartaruga. Os 18 centímetros de altura em relação ao solo me convenceram que os hatches metidos a SUVs têm vantagens que vão além do estilo. O Stepway tem 17,4 cm, enquanto o Argo Trekking com seus 21 cm chega a ultrapassá-lo .

A plataforma modular CMP é moderna, utiliza aços de alta resistência em abundância ( embora ainda não seja possível saber como será o resultado do crash test do Latin NCAP ) e permite um ajuste dinâmico mais fino. O pessoal da Fiat deve ter auxiliado neste aspecto, uma vez que o acerto deles costuma ser impecável. 

Entrando no capítulo dinâmico, a direção tem um lado crítico e outro, positivo. A má notícia é que o volante tem apenas regulagem de altura, além do mecanismo de trava não ser suave. É uma simplificação que se soma à ausência de botões do lado esquerdo.

A positiva é a calibração da assistência . Manobrar o hatch não exige nenhum esforço, além da direção ter uma taxa de retorno ao centro das mais bem ajustadas. Só fica a dever maior firmeza em velocidades mais altas.

Ainda em relação ao ajuste, a suspensão do C3 é bem calibrada, oferecendo conforto e estabilidade. Sem serem grandes em excesso, as rodas aro 15 com pneus 195/65 ajudam na tarefa de isolar melhor as imperfeições.

O compacto pode não ser plantado no chão, mas a suspensão controla bem as oscilações. Moro em Perdizes, bairro de São Paulo famoso por suas valetas, e não houve contato com o solo em nenhum momento. O mesmo não se pode dizer de um Onix e seus ridículos 11,7 cm de vão


Acabamento, ergonomia e espaço interno

O acabamento também segue a realidade de um projeto nascido para ser barato. Há texturas acetinadas que ajudam a quebrar o visual simples, além de material que imita couro no volante - ele fica devendo teclas do lado esquerdo e o mesmo revestimento nos bancos. Não há materiais macios ou tecido recobrindo as portas, que acabam sendo áridas .

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Espaço no banco traseiro do novo C3 é bom para três

O estilo interno é salvo por elementos como as saídas de ar cujo estilo lembra o aplicado nos modelos da Volvo, mas com toque e acionamento um tanto molengas. É outro ponto em que a realidade de um projeto emergente é implacável.

Mal posicionado, o comando do retrovisor elétrico fica à esquerda da direção, enquanto os botões dos vidros traseiro ficam na parte de trás do console.

Vamos aos pontos positivos. O espaço interno faz o Renault Kwid parecer um daqueles conjugados (chamados, inexplicavelmente, de studios pelas construtoras) de 20 metros quadrados. 

A largura de 1,73 m é a mesma do Sandero, uma referência no segmento dos compactos, enquanto o entre-eixos de 2,54 m pode ser cinco centímetros inferior ao do Renault , no entanto, ainda oferece espaço para levar quatro ocupantes altos. 

Já o porta-malas comporta 315 litros , apenas cinco litros a menos que o veterano Stepway, e só fica devendo uma plataforma alinhada com a tampa, uma vez que o compartimento é bem profundo.

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Porta-malas tem bom volume, mas não há rebatimento bipartido do banco


A posição de guiar é bem elevada, sem causar estranhamento para um condutor da minha altura (1,84 metro) . Com visão desimpedida do que está à minha frente, foi fácil enxergar os limites do carro. Apenas as colunas traseiras largas atrapalharam. 

Aproveitando que toquei no assunto, a versão Feel Pack 1.6 automática tem apenas câmera de ré, nada de sensor de estacionamento traseiro . Se você ouvir um barulho ao dar ré, cuidado, pois ele não será agradável. O mais curioso é que o Feel 1.6 manual tem um pacote de R$ 1.400 que traz o sensor e a câmera de ré.


Resumindo: o novo C3 tem qualidades no que diz respeito ao rodar, espaço e estilo, mas deve um melhor pacote de equipamentos . O preço dele exige um recheio mais generoso do que o oferecido. 

Quando a antiga PSA anunciou que a Peugeot faria o papel de marca mais sofisticada do grupo, estranhei profundamente, afinal, esse destaque sempre foi da Citroën. Foi impossível esquecer de modelos como o próprio C3 antigo, o Xantia e sua suspensão mágica e, o curioso C4 antigo com seu volante de cubo fixo , entre outros exemplos de design e engenharia de ponta. 

Eram toques que deixavam a marca em um patamar diferente dos concorrentes. A realidade mudou e, agora, parece que ser um SUV se tornou mais importante. E é isso que vai garantir a sobrevivência do fabricante.


Ficha técnica


Motor: 1.587 cm3, dianteiro, transversal, quatro cilindros, 16 válvulas, 120/113 cv a 6.000 rpm, 15,7 kgfm de torque a 4.500 rpm (etanol) e 15,4 kgfm a 4.250 rpm (gasolina)

Câmbio: automático de seis marchas, tração dianteira

Direção: elétrica, com diâmetro de giro de 10,5 metros

Suspensão: McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira

Freios: discos ventilados na dianteira e tambores na traseira

Pneus: 195/65 R15

Dimensões: 3,98 metros de comprimento; 1,73 m de largura; 1,60 m de altura; 2,54 m de distância entre-eixos; porta-malas de 315 litros; tanque de 47 litros; e 18 cm de altura do solo