A princípio, a habilidade de conduzir o próprio carro, compreender e respeitar as sinalizações de trânsito e saber gerir o espaço entre você e outros da via, são o que fazem o bom motorista. E isso deveria ser o suficiente para você andar nas ruas com paz e tranquilidade.
Entretanto, o condutor no Brasil , por mais prudente que seja, não passará impune por boletos de multas e buracos nas vias públicas .
Ambos tão traiçoeiros que podem pegar qualquer um de surpresa. No caso mais recente, de quem vos escreve, perdi uma roda (quase foi rasgada no meio) e o respectivo pneu, em um buraco na divisa do bairro do Campo Belo com Moema (Zona Sul de SP).
Detalhe: isso para lá das 22h, em um local sem iluminação . Não é preciso nem dizer que, na ocasião, eu poderia ter sido alvo fácil de assaltantes. Por sorte, fui visto por moradores da rua onde eu estava, e me ajudaram com uma pequena luminária de mesa. Veja partes do drama na galeria de imagens abaixo.
Ironicamente falando, pelo jeito, as 1,5 milhão de multas aplicadas em 2021 pelo Detran-SP — fora as tantas outras em anos anteriores — não são dinheiro o bastante para tapar buracos, ainda que o CTB e a Lei Municipal 14.488/2007 prevejam o uso do dinheiro para fins como este.
O custo do dano foi de R$ 600 pela roda (15 polegadas), mais R$ 500 pelo pneu e R$ 200 de alinhamento+balanceamento.
Além da sorte de não ter sido vítima de um roubo — o que me custaria o celular e o que tivesse na minha carteira — nenhum dos componentes da suspensão foi danificado. Imagina se fosse um carro mais frágil e/ou mais caro do que o meu Peugeot 207 — ou alguém menos sortudo do que eu…
Infelizmente, a situação é ainda mais complicada, quando nos deparamos com a própria Constituição Federal. Conforme o artigo 167, IV, parágrafo 4º, é proibida a vinculação de receita de impostos a uma despesa específica, com excessão da saúde e da educação.
Ou seja, o que deve ser feito é a utilização do dinheiro arrecadado com as multas para a manutenção. Vocês verão mais detalhes, ainda no texto, sobre a promessa da prefeitura de destinar R$ 1 bilhão em recapeamento de vias.
A situação é pior ainda para os profissionais
Tivemos a oportunidade de conversar com Anwar Hioni , que é motorista executivo e proprietário da empresa de transportes Taxi4Vip, desde 2016.
Representante de uma das profissões que mais vivenciam a situação (precária) das vias, ele já teve várias experiências negativas com buracos. Muitas delas, mais graves e mais caras do que a minha. Veja o depoimento completo a seguir.
“Meu carro é um Nissan Sentra 2015. Tenho vários exemplos desagradáveis, e toda a vez que eu encaro algo que represente perigo aos condutores, ligo para a Prefeitura”.
“Indo para Alphaville algumas vezes, eu tive que passar por dentro das cidades de Barueri, e acabei passando por um trecho que ela tem buracos gigantescos. Parece uma zona de guerra e que explodiu uma bomba no lugar. Em um mesmo buraco, dois pneus ficaram com bolha , dianteiro e traseiro do lado direito. Gastei R$ 800 com cada pneu”.
“Na saída do túnel Papa João Paulo Segundo, no Vale do Anhangabaú, tem desníveis para escoamento de água . Aquilo ali, na prática, é danoso como buraco. Já reclamei sobre isso com a prefeitura e ninguém nunca fez nada. Na ocasião em que fui afetado naquele local, também tive os meus pneus cortados”.
“Em rodovias, eu vi até um capotamento ocorrido por conta de buraco. No alto da Serra, indo de Curitiba para SP, um Chevrolet Classic passou por mim. Já é um trecho que é fácil de perder aderência , porque é uma descida à esquerda. E para “ajudar”, tinha o buraco. O carro capotou três vezes e, por sorte, ninguém daquele carro se machucou”.
“Teve outro caso que tive que trocar os dois amortecedores dianteiros por causa de buraco. Dependendo do tamanho do buraco , pode até ser que não danifique o pneu, mas depois de algum tempo, você constata avaria na suspensão. Cada amortecedor me custou R$ 2.500, um total de R$ 5 mil”.
“Tive que diminuir o aro da roda para poder aumentar o tamanho do pneu, para deixá-lo mais resiliente aos buracos. De fábrica vem com rodas aro 17 205/55. Hoje uso aro 16 com pneu mais alto (205/60). Pelo menos a diferença de preço entre os pneus é grande. No aro 16, são quase a metade do preço”.
“Hoje em dia, até dá para ver algumas vias sendo recapeadas . Mas, para mim, o serviço deveria ser refeito completamente, em absolutamente todas as vias, mas com material adequado e planejamento”.
“Mesmo eu, que utilizo o carro para o meu trabalho como motorista, preferiria não ir trabalhar por um período, para que a cidade fosse refeita. Para mim, o que está cada vez melhor é a confiabilidade dos sistemas de suspensão . Já os buracos, cada vez aparecem mais”.
Será que vão cumprir o prometido?
Em nota publicada pela Prefeitura de São Paulo — por meio da Secretaria Municipal das Subprefeituras (SMSUB), no Diário Oficial da Cidade de SP, em 4 de junho — foi anunciado o Decreto nº 61.417. Ele estabelece o início do programa de recapeamento de vias na capital, no valor de aproximadamente R$ 1 bilhão.
É prometido que, até 2024, mais de 20 milhões de m² serão recuperados com recapeamento , micro pavimentação e manutenção de pavimento rígido.
“Entre os critérios considerados para a escolha das vias prioritárias, estão o volume de tráfego e a deterioração do pavimento existente, demanda de transporte coletivo sobre pneus, histórico de operação de conservação de pavimentos viários, além de outras demandas da própria comunidade”, afirma a prefeitura de SP.
“Todas as regiões da cidade serão contempladas, como a Avenida Jacu Pêssego, Avenida Sapopemba, Avenida Ipiranga, Avenida 23 de Maio, Avenida Cangaíba, assim como as Marginais Pinheiros e Tietê. Além destes cerca de 70 outros endereços serão contemplados”, complementa.
Aos motoristas, só resta aguardar que o novo projeto da Prefeitura resolva o problema, pois, enquanto isso, a população amarga os prejuízos decorrentes das más condições das vias da cidade .