Cite só cinco nomes de mulheres do esporte a motor. Difícil? Só os mais aficcionados pela velocidade poderão lembrar das heroínas do automobilismo. Ao contrário do que presenciei nesse track day em Interlagos, o universo das corridas é realmente inacessível para quem não tem bastante dinheiro. E, infelizmente, ainda para as mulheres, que sempre foram vistas como frágeis e, por isso, sempre com menos incentivos a se aventurarem em situações de risco.
LEIA MAIS: Aceleramos o raro Fiat Coupé no Autódromo de Interlagos. Assista ao vídeo
Apesar disso, o que posso garantir por experiência própria, é que não houve nenhuma piloto (entre as poucas que vi pelos kartódromos de São Paulo) que não pôs marmanjo no “pelourinho” na hora de disputar uma colocação. Como aconteceu nesse track day em Interlagos , quem assistia a esses “pegas” de gente grande, definitivamente revia os conceitos sobre “dirigir feito mulher”.
Com isso em mente, surge o Women Drive Training , organizado pelo Super Racing Club: raro evento automobilístico voltado ao público feminino, que contou com ninguém menos que a piloto de Stock Car, Bia Figueiredo , como instrutora - primeira mulher a vencer uma corrida da Fórmula Renault, Indy Lights, bem como uma das únicas do mundo a disputarem a Fórmula Indy e as 500 Milhas de Indianápolis.
Trata-se de um curso teórico e prático onde as mulheres, com seus próprios carros, conhecem a estrutura de funcionamento do carro, painel, indicadores e sinalizadores, entendem as normas de trânsito atualizadas, dinâmica de direção do dia a dia, bem como conhecem melhor os limites do carro e a forma mais eficiente de condução, através de simulações de situações da rotina de trânsito diária como desvios seguros, freadas bruscas e condução em pista molhada.
Além disso, tal como nos eventos regulares do Super Racing Club , é possível ter a oportunidade de aprender sobre técnicas de pilotagem em circuitos de corrida e praticar com carros de corrida, no Autódromo de Interlagos. Essa experiência eu pude vivenciar, à bordo de um Maserati Cambiocorsa Trofeo 2004 como passageiro e, como piloto, de um Fiat Palio com modificações para pista.
No meio da muvuca no track day em Interlagos
Chegando aos boxes, nunca vi aquilo tão movimentado, uma vez que o autódromo está prestes a se fechar com o início dos preparativos para a chegada da Fórmula 1. Sendo assim, dividiam espaço inúmeros carros de rua para um track day, outros incontáveis carros de corrida que correriam junto a mim e vários Fórmula vee, que estavam à disposição de aprendizes do Drive Day, que já tive o grande prazer de participar .
E foi no meio disso tudo que encontro Bia Figueiredo , quem tive que abordar para trocar uma ideia. Conhecendo as façanhas que a piloto conquistou em sua trajetória no automobilismo, quis saber, como mulher, a sua perspectiva do esporte. Desde a questão das mulheres até a realidade que vive o Brasil.
LEIA MAIS: Aceleramos o novo Porsche Panamera E-Hybrid na pista
Para a Bia, muitas mulheres podem até gostar de carros, mas são muito cautelosas e por isso é difícil se sentirem atraídas pela velocidade. Entre as poucas que gostam da adrenalina dos carros, estão as que desde sempre receberam incentivo da família. Apesar disso, reforça que as mulheres estão cada vez mais presentes no automobilismo. No caso da piloto, também se inspirou bastante em ídolos do esporte, como Senna e Fittipaldi.
Você viu?
Já com relação ao sucesso dos brasileiros no cenário mundial das corridas, destaca que, reflexo da dificuldade cada vez maior de se sustentar mesmo nas categorias de base - como o kart - e a falta de incentivos de empresas (como acontece mais frequentemente no exterior), os pilotos se veem forçados a tentarem a sorte na Europa o quanto antes, para garantir patrocínios com mais sucesso.
Com isso, foi inevitável perguntar como a piloto relaciona essa realidade com a privatização do autódromo. Segundo ela, o problema mora apenas na possibilidade de destruírem o espaço, um dos únicos que restam à prática do esporte. Por isso que, se isso for o destino, não se conformaria com a decisão, uma vez que - fora toda a importância histórica - muito se fatura com os aluguéis caríssimos, bem como é a enorme e constante a movimentação nos diversos eventos - a motor ou não - que acontecem diariamente.
Em seguida, fomos todos os alunos à parte teórica do curso, onde a primeira parte era voltada ao Women Drive Training - onde a Bia passou as instruções e explicou no que consiste o curso - e a segunda para os que queriam “arrepiar” os carros de corrida. Nesta, conceitos teóricos como entrada e saída de curvas, reações corretas para retomar o controle do carro, trajetos e comportamento durante ultrapassagens e outras foram os maiores destaques.
Início dos trabalhos no track day em Interlagos
É aqui que a adrenalina começa a subir de verdade. Após vestir os equipamentos de corrida, uma Maserati Cambiocorsa Trofeo esperava os alunos para um rolê de apresentação. E que apresentação! Nada melhor que um ronco poderoso de V8, com cerca de 400 cv, girando ao redor dos 7000 RPM como uma bela orquestra aos ouvidos, o charme das pancadas durante as trocas de marcha (típico dos câmbios automáticos esportivos dos anos 2000), o “ballet” com carros de corrida furiosos pelos arredores… Faltou só poder dirigi-la para sentir tudo isso ainda mais de perto.
Apesar de não ter sentido a direção, o piloto oficial do Super Racing Club , Ramon Mathias, extraiu o máximo da macchina italiana, o que já me possibilitou avaliar o seu equilíbrio durante as curvas e a sua altíssima capacidade de contorná-las. Além disso, me impressionou de verdade carros como Celta, Uno e Palio. todos da Copa de Marcas e Pilotos, que com seus acertos agressivos de suspensão, já entravam de lado nas curvas e chegavam a dar canseira ao Maserati. Realmente impressionante!
LEIA MAIS: Audi TT RS: o pequeno notável devorador de asfalto com motor de 400 cv
Após três voltas no canhão italiano, entrei no Palio. O hatch conta com alívio severo de peso, escapamento direto (sem qualquer abafador, catalizador ou silencioso), cluster com informações de corrida e sistema de injeção Injepro - que permite um acerto de alimentação mais agressivo e harmonioso com as outras modificações. Apesar de no vídeo abaixo não ser possível ver o que se passa do lado de fora, devido a claridade, dá para ter pelo menos uma ideia com o que se passa no interior.
Desta vez ao volante, coloquei à prova o que aquele motor Fire tinha a oferecer. Apesar dos carros de Marcas e Pilotos passarem voando baixo por mim (pelo nível de preparação mais elevado), o pequeno Fiat mordia as curvas com ferocidade. Apontado direitinho, você podia contornar com o pé lá em baixo que ele não cedia. Se eventualmente jogasse a traseira, era só manter o pé ainda lá em baixo e acertar no volante, contra o sentido da curva.
Apesar da posição de dirigir um pouco distante do volante, do câmbio e dos pedais (que me fez inclusive esbarrar no interruptor de ignição na curva do mergulho algumas vezes e desligar o carro em movimento, quando fui engatar a 4ª marcha), além da trambulação que pedia bastante precisão (uma vez que os engates não entravam tão certeiros e a 3ª algumas vezes se recusava a engatar, ao reduzir da 4ª marcha), deu até vontade de pegar o meu Fiesta 1996, depenar inteiro e botar na pista.
Aos que sonham em botar os pneus na pista, mas querem aprender as técnicas de pilotagem e não moer o próprio carro, este track day em Interlagos é um evento que vale a pena, além do mais ao considerar a atenção e o carinho especial às mulheres, que como eu já bem disse, botam marmanjo para suar com a adrenalina à solta, em circuitos fechados.