Quase junto da chegada dos primeiros carros importados ao Brasil, depois da abertura do mercado, em 1990, resolveram olhar para o outro extremo, longe dos BMW, Mercedes e até Rolls-Royce que começavam a desembarcar no País, e criaram o chamado “carro popular”.
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O primeiro " carro popular " foi um Fiat Uno Mille, com motor 1.0, que correspondia ao 1.050 cc do pequeno 147, dos anos 70 e 80, com poucas modificações. Foi o início da corrida das demais fabricantes para aproveitar a alíquota 0,1% de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para modelos de baixa cilindrada.
Então, a Volkswagen lançou o Gol 1000, a Ford veio com o Escort Hobby e a GM com o Chevette Júnior, todos com motores de 1 litro de cilindrada. As francesas Renault e Peugeot também resolveram entrar na briga com o Clio e o 206, no início dos anos 2000.
Eram carros que fizeram sucesso pelo preço competitivo, ao redor de US$ 7 mil na época (ao redor de R$ 30 mil numa conversão simples). E se mantiveram entre os mais vendidos do mercado até o início da década passada. De lá para cá, começaram a perder espaço.
Conforme o balanço mensal de vendas da Fenabrave (Federação dos Distribuidores de Veículos), a participação dos carros 1.0 no Brasil em 2002 era de 53,3%, ante 35% em 2018 e, nos oito primeiros meses de 2019, 38,4%. Esse aumento de três pontos percentuais se deve à chegada do Renault Kwid , em agosto do ano passado.
"Carros populares" viraram subcompactos
A partir do lançamento do modelo da marca francesa é possível desenvolver uma linha de raciocínio que explica a razão pela qual os “carros populares” estão quase em extinção no Brasil hoje em dia.
O Kwid chegou ao mercado para tentar ocupar essa lacuna dos modelos mais acessíveis, mas para conseguir chegar num patamar de preço pelo menos parecido com o que os primeiros “populares” dos anos 90, foi preciso oferecer um subcompacto, bem simples, mas que para ser bem aceito no Brasil de hoje (bem diferente de 30 anos atrás), teria que ter o mínimo de conforto e segurança. Isso significa que, atualmente, quase ninguém mais aceita levar um carro novo para casa que não tenha, pelo menos, ar-condicionado e direção assistida.
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Se não tivesse o Kwid, o modelo mais em conta da Renault no Brasil seria o Sandero 1.0, que parte de R$ 46.990, com ar-condicionado e vidros dianteiros elétricos. Acontece que o subcompacto é um carro bem menor e de concepção relativamente mais simples do que os hatches 1.0 que fizeram sucesso até o início da década passada no Brasil. Carros 1.0 do porte dos compactos, com bom apelo no mercado atualmente, beiram os R$ 50 mil, preço que bem fica acima dos US$ 7 mil dos primeiros “populares”.
Os carros 1.0 ficaram mais caros hoje em dia, entre outras razões (entre as quais a alíquota de IPI de 7% e não 0,1% em 1990), porque não podem ser mais iguais aos de 30 anos atrás, quando havia quem aceitasse falta de itens essenciais como retrovisor do lado esquerdo, luz de ré e até tampa do porta-luvas.
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Agora, muita coisa mudou. Itens de segurança como freios ABS e duplo airbags são obrigatórios. Os motores evoluíram bastante e contam com tecnologias como injeção eletrônica de última geração, bicos injetores aquecidos (que dispensam a partida a frio), entre outros itens.
Outra questão importante é que os compactos 1.0 têm uma margem de lucro apertada para as fabricantes. E os paradigmas da nova era da mobilidade obrigaram as fabricantes a reverem completamente seus portifólios no mundo inteiro, passando a fabricar apenas modelos rentáveis, entre os quais, os SUVs. Com isso, os “populares” perderam ainda mais espaço dentro da linha ideal das marcas que vendem carros no Brasil hoje em dia.
Uma das marcas que mais vendidam carros populares no Brasil, a Fiat, atualmente tem o subcompacto Mobi como rival do Renault Kwid. Trata-se do modelo mais em conta da marca italiana no Brasil, oferecido a partir de R$ 33.490, sem ar-condicionado e direção assistida.
Apenas com ar, o preço sobe para R$ 38.990. Se quiser ambos os itens, terá que optar pela versão Like, de R$ 41.990. Ou seja, é o nível de conforto mínimo que se pode ter, por mais de R$ 40 mil. Para ter o mesmo em um carro um pouco maior, o Argo básico, o valor beira os R$ 50 mil.
Portanto, temos três conclusões: primeiro que apenas os subcompactos conseguem chegar em um patamar de preço razoável dentro do que se considera mais próximo de um “carro popular”no Brasil de hoje. Depois que esse tipo de modelo não é o ideal no Brasil porque as pessoas procuram por algo mais espaçoso. E, finalmente, as fabricantes precisam vender modelos mais rentáveis no mercado brasileiro que os subcompactos.
A GM tem como modelo mais em conta hoje em dia o Onix Joy , que parte de R$ 47.590, um pouco acima dos R$ 45.590 do Ford Ka (modelo que era um subcompacto e aumentou de tamanho para ter melhor aceitação no Brasil). Seguindo os modelos mais vendidos atualmente, o Hyundai HB20 básico parte de R$ 46.490 e o VW Gol por R$ 47.020, todos com ar e direção no pacote mínimo de equipamentos.
Será que um carro que custa R$ 50 mil pode ser considerado “popular”? De acordo com os dados mais recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a renda per capta no Brasil é de R$ 1.373 e evoluiu positivamente desde 1990, quando foi criado o chamado “carro popular”.
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Então, não apenas por questões econômicas (inclusive, do lado das fabricantes), mas por causa do que se refere às atuais exigências nos quesitos segurança, emissões de poluentes e eficiência, os “ carros populares ” estão praticamente extintos no Brasil.