
Montadoras chinesas vêm inflando artificialmente suas vendas ao exportar veículos zero quilômetro registrados como usados.
A prática, que conta com o apoio institucional de ao menos 20 governos locais, tornou-se uma estratégia para cumprir metas econômicas e aliviar o excesso de produção no país.
O mecanismo envolve o emplacamento imediato de veículos recém-produzidos, que são reclassificados como usados para exportação.
Dessa forma, as montadoras conseguem registrar as vendas oficialmente, mesmo que os automóveis nunca tenham circulado nas ruas chinesas.
Em 2024, cerca de 90% dos 436 mil veículos exportados pela categoria eram zero quilômetro.
A prática se intensificou a partir de 2019, quando a China flexibilizou as regras para a exportação de carros usados.
Desde então, tornou-se comum entre fabricantes que enfrentam margens cada vez mais apertadas e forte concorrência interna, especialmente após anos de guerra de preços.
Governo local impulsiona distorção com incentivos
Documentos obtidos pela Reuters revelam que ao menos 20 administrações locais chinesas — entre elas Guangdong, Sichuan, Shenzhen e Guangzhou — criaram políticas específicas para incentivar esse tipo de exportação.
As medidas incluem licenças especiais, cotas extras de emplacamento, facilitação de trâmites alfandegários e investimentos em infraestrutura logística, como armazéns gratuitos próximos às fronteiras.
Esse apoio visa ajudar líderes regionais a alcançar metas de crescimento impostas por Pequim, que condicionam promoções e verbas adicionais ao desempenho econômico.
O fracasso, por outro lado, pode levar a rebaixamentos administrativos, o que fortalece a motivação para inflar indicadores.
Exportação paralela escoa excedente e distorce dados
A manobra tem sido usada para escoar modelos menos desejados internamente — como veículos a gasolina — e carros elétricos que perderam competitividade após o fim dos subsídios locais.
Embora ajude a indústria a aliviar estoques, o método tem gerado críticas por afetar a credibilidade dos dados de vendas.
Até mesmo líderes da indústria local, como o presidente da montadora Changan, alertam para os riscos à imagem das marcas chinesas no exterior.
Prática alimenta acusações de dumping
A exportação de carros novos disfarçados de usados tem levantado suspeitas de dumping — a venda internacional a preços artificialmente baixos. Países como Rússia e Jordânia já reagiram.
Moscou, por exemplo, proibiu em 2023 a importação de veículos “usados” com zero quilometragem de marcas com representação oficial no país, impactando diretamente fabricantes como Chery, Changan e Geely.
A informalidade crescente no setor, com a participação de pequenos comerciantes e influenciadores digitais, também preocupa.
A China ultrapassou o Japão como maior exportador global de automóveis em 2023, com 6,41 milhões de unidades, mas a falta de critérios claros sobre o que caracteriza um veículo usado tem gerado apelos por maior rastreabilidade e transparência regulatória.