O sucesso de um produto depende de planejamento, boa execução e senso de oportunidade, mas também de um pouco de sorte. Quer um exemplo? O primeiro Ford EcoSport teve tudo isso, e contou com a sorte de não ser perturbado pela concorrência por muitos anos. Reinou por uma década no segmento que inaugurou, o de SUVs compactos. O Renault Kwid chega ao mercado dando pinta de que será um fenômeno de vendas a partir de julho, e já chega com alguma sorte, ou ao menos com o azar dos concorrentes.
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Confuso? Explico. Os dois principais rivais do Kwid em termos de porte e preços são o Volkswagen Up e o Fiat Mobi. A dupla foi projetada há uns seis ou cinco anos, quando o Brasil era a “bola da vez” no mercado automotivo. Não só isso. Na época se festejava o ingresso de uma legião de consumidores a uma emergente classe média. No cálculo da VW e da Fiat, o Brasil ficaria muito parecido com a Europa, onde boa parte dos consumidores tem poder aquisitivo e racionalidade para ter um carro pequeno, prático e barato para usar nos dias de semana, e outro maior para rodar com a família quando necessário. Por isso, carros como Up e Mobi faziam todo o sentido para nosso mercado.
Mas a sorte não sorriu para esses dois simpáticos carrinhos. Aquele Brasil não aconteceu. A crise econômica veio de forma avassaladora, deixando uma legião de desempregados e outra maior ainda de cautelosos consumidores. Os números de vendas de carros despencaram. A classe média encolheu. Quem hoje consegue comprar carro zero, compra um só. E esse carro precisa ser acessível e minimamente versátil.
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É aí que entra o Renault Kwid, um carro idealizado há quatro anos, quando o mercado já sinalizava tempos difíceis. A Renault deixou o otimismo exagerado de lado e foi pragmática. Sabia que seu subcompacto teria de ter baixo custo e, ao mesmo tempo, apresentar soluções de versatilidade, hoje bem representadas pelos SUVs de vários portes. Por que não um mini-SUV, mesmo que ele não seja tão SUV assim? A VW namorou o projeto do Taigun, mostrado no Salão do Automóvel de 2012, sobre a base do Up, mas desistiu do modelo. A opinião desta coluna é que ele faria mais sucesso que o Up, este ano com média de 3 mil unidades vendidas por mês – pouquíssimo para um modelo de entrada.
A VW apostou na modernidade, eficiência energética e esportividade em seu subcompacto. Não funcionou, principalmente pelo alto custo do projeto, que coloca o carro na tabela entre R$ 35 mil e R$ 56 mil. A Fiat tentou diferenciar seu pequenino com atributos como jovialidade e conectividade. Mas perdeu a chance de ter uma versão do Mobi abaixo de R$ 30 mil (hoje a mais barata sai por mais de R$ 33 mil). As vendas reagiram recentemente, com a chegada de novos motores e câmbio automatizado. Mas a média do ano ainda não chega a 4 mil unidades/mês.
Já a Renault, espertamente, apostou no fator psicológico de oferecer a versão de entrada por R$ 29.990. Vem bem despojada, mas já com airbags laterais, para evitar vexame nos testes de colisão (teve nota zero na sua versão feita na Índia). Com R$ 35 mil ele já vem com direção elétrica, ar-condicionado e vários outros mimos. A versão mais cara, de R$ 39.990, traz uma respeitável central multimídia de 7 polegadas, com GPS.
Compacto ou SUV?
Além dos custos competitivos de venda e pós-venda, o que mais diferencia o Kwid é seu estilo de SUV bem evidenciado pelo desenho parrudinho, somado à maior altura do solo (18 cm) e generosos ângulos de entrada e saída em rampas. O recado é claro: o pequeno Renault quer oferecer atributos valorizados nos bem-sucedidos SUV compactos, mas pela metade do preço. Que atributos são esses? Posição elevada ao volante, maior robustez da suspensão e menos chance de raspar em valetas, lombadas e na conhecida buraqueira de nossas vias.
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O porta-malas de 290 litros é bem aproveitado para um carro desse porte, e o espaço traseiro surpreende. O novo motor três-clindros 1.0 de 70 cv, se não entrega a esportividade do caro TSi do Up , promete mesclar bom consumo e desempenho razoável. Ou seja, o Kwid não deve ser best in class em quase nada, mas não terá pontos fracos.
Na opinião desta coluna, a Renault conseguiu inovar de uma forma simples e eficiente, como havia feito em 1992 ao lançar o Twingo. Na época, as minivans eram a última moda, e a Renault lançou um pequeno monovolume com banco traseiro corrediço que foi um sucesso na Europa. O Kwid faz a mesma coisa, agora no universo dos SUVs. Traz para o mercado um carro com ótimo diferencial competitivo, e a preços que impressionam. Deverá vender como um bom pãozinho (francês) quente.
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