A era da globalização dava a pinta de que iria unificar produtos em nível mundial. De fato, carros globais começaram a se espalhar e proporcionar ganhos de escala jamais experimentados pela indústria automobilística. Porém, aos poucos, as montadoras foram percebendo os limites da globalização. Alguns tipos de carros funcionam globalmente, outros não.
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Se analisarmos os três principais lançamentos deste ano no mercado brasileiro, perceberemos três estratégias totalmente distintas. O Fiat Argo foi desenvolvido no Brasil, e vai servir ao restante da América Latina. O Renault Kwid é um modelo voltado para mercados emergentes. Surgiu na Índia, chegou à África, e agora tem sua versão brasileira. Já o novo Volkswagen Polo, que será produzido em breve em São Bernardo do Campo (SP) ao lado do sedã Virtus, tem outra filosofia. Ambos são típicos carros globais , projetados da Alemanha para o mundo. Qual estratégia é a mais acertada?
Primeiramente é preciso analisar o histórico dos carros globais no mercado brasileiro. E a História mostra que eles funcionam muito bem em modelos de maior valor agregado. Sedãs médios (Civic e Corolla), SUVs (Compass, HR-V e Renegade), picapes médias (Hilux e S10), monovolumes (Fit). Todos esses modelos são sucesso no país, e pouco mudam em relação às versões vendidas na Europa, nos Estados Unidos e na Ásia.
Há modelos globais que já não rendem tanto em segmentos mais premium, mas o problema é a queda do segmento como um todo, não o fato de ser um carro global. Golf, Audi A3, Focus e outros já tiveram momentos de glória por aqui, mas hoje foram claramente preteridos pelos SUVs.
Já nos segmentos de entrada, os modelos globais não se dão tão bem, e o caso mais evidente disso é o VW Up. Um modelo muito elogiado por seu conjunto mecânico e sua concepção moderna, mas que não repercutiu tanto junto aos clientes brasileiros. Seu grande rival, o Fiat Mobi, é um produto local, e já vende mais, embora aquém do esperado. Alguns compactos globais (exceto EUA, que não consomem compactos) chegaram a ir bem no Brasil entre os anos 1990 e 2000, como Corsa, Fiesta, Ka, C3 e 206, mas essa fase parece superada.
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Pense nos carros compactos mais vendidos hoje no Brasil. A dupla Onix e Prisma foi projetada por aqui pela GM. A Hyundai poderia produzir o i20, mas preferiu uma receita nacional com a linha HB20, e agora com o Creta. Os campeões de venda anteriores ao Onix, Palio e Gol, foram feitos para o Brasil, assim como Fox, novo Ka, EcoSport e tantas outros hits de venda.
A terceira via é optar por modelos que não chegam a ser globais, mas que foram desenvolvidos para países com menor poder aquisitivo (Índia, China, África do Sul, leste europeu, México, América do Sul, entre outros). A Renault foi a que mais apostou nisso, produzindo aqui os modelos de sua divisão romena Dacia (Sandero, Logan e Duster). E se deu melhor do que na fase em que vendia modelos tipicamente franceses, como o Clio. O pequeno Kwid vai nessa tendência, mas não é romeno, e sim indiano (embora totalmente adaptado ao Brasil).
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Outra que fez uma aposta parecida com a Renault foi a Toyota, com o Etios. De início ele foi muito mal, pois o nível de exigência do brasileiro é muito maior que do indiano. A Toyota percebeu isso a duras penas, e teve de ir corrigindo seu compacto ano a ano. Ainda não é um sucesso, mas superou a desconfiança inicial.
A ousada aposta da Volkswagen
Com o novo Polo e o sedã Virtus, a VW está indo na direção oposta à das outras marcas que atuam no segmento de entrada. Ela vai voltar a bater na tecla de carros globais, que não funcionou muito bem com outros projetos alemães, como o Up e o Golf. Será que vai dar certo com a nova dupla?
Não tenho dúvidas que serão produtos de excelente qualidade, e deliciosos de se dirigir. Até por isso, acho que os preços refletirão esse nível superior dos modelos, e aí está risco. Acima dos R$ 80 mil, os projetos globais vão muito bem. Os consumidores dessa faixa topam pagar mais por modelos recheados de tecnologia, com padrão superior de acabamento e construção.
Abaixo dessa faixa de preço, outras demandas começam a entrar na equação do cliente: relação custo/espaço, custo/versatilidade, consumo ou meramente o custo. O novo Polo terá várias versões, mas atacará principalmente a faixa entre R$ 60 mil e R$ 70 mil. O Virtus será um pouco mais caro. Ficarão exatamente no limite que separa a turma dos carros locais da turma dos carros globais. Ou seja, trata-se de uma aposta de risco que dependerá muito da ousadia da VW em praticar preços agressivos – algo que não é muito de seu feitio. Tenho certeza que a rede VW preferiria ter uma outra dupla nas lojas: um SUV compacto e um SUV médio, as bolas da vez no mercado. Esses virão, mas vão demorar um pouco mais.
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