Recentemente ouvi de um alto executivo da indústria que só há três maneiras de fazer bom dinheiro no mercado automotivo nacional: vender SUVs, picapes ou modelos premium (de sedãs médios para cima). Modelos premium já estão bem estabelecidos no país, SUVs são a bola da vez, e a próxima onda será de picapes, onde ainda há muito espaço a ser explorado. Espaço que, por sinal, começou a ser desbravado pela Fiat Toro, um sucesso inegável de vendas.
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Quer saber de onde vêm os compradores da Toro? Pouco mais de 20% vêm das picapinhas, pouco menos de 10% vêm de picapes médias e 70% vêm de carros de passeio ou crossovers. Conclusão: Toro e seus futuros concorrentes tendem a dizimar as picapes pequenas, que já vinham perdendo terreno. Não vão afetar as picapes médias (pelo contrário, podem ajudar a ampliar esse mercado). E vão fazer sangrar alguns segmentos de carros de passeio que vão mal das pernas, como hatches médios, peruas e até sedãs. Mas como o assunto aqui é picape, vamos traçar um panorama de futuro para os três subsegmentos de picape, de baixo para cima.
PICAPES PEQUENAS
O primeiro carro 0 km que comprei foi uma VW Saveiro, no começo dos anos 90. Por que ela? Era o carro mais barato que se podia comprar. Não havia os chamados populares, e as picapinhas tinham IPI mais baixo. Minha esposa, quando entrou na faculdade, ganhou uma Fiat Strada do pai, pois ele achava que era um veículo à prova de sequestradores, por não ter bancos traseiros (vejam só!). As picapinhas eram carro de estudante, de surfista, de jovens em geral, mas também tinham o lado utilitário.
Invenção bem brasileira, elas tinham mil e uma utilidades, mas foram perdendo importância com a ampliação das opções no mercado neste século. A Ford errou a mão na transição da Pampa para a Courier e desapareceu. A Peugeot tentou entrar com a Hoggar, mas não se deu nada bem. A Chevrolet nunca conseguiu, com a Montana, desafiar as líderes Fiat Strada e VW Saveiro. E o modelo da Fiat fez a festa enquanto pôde, inovando com cabine estendida, cabine dupla, Adventure, Locker, etc. Mas essa festa também ficou mais restrita, até pelo sucesso da Toro.
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A tendência é que Fiat e VW continuem dividindo as vendas num segmento que tende a virar nicho, cada vez mais. O fôlego que resta vem dos altos preços de furgonetas, que tornam mais vantajoso transformar essas picapinhas em veículos de transporte leve. Ou seja, elas estão retornando à sua atividade fim, no uso comercial. Até a metade de agosto foram vendidas 29.681 Stradas, 25.898 Saveiros e 8.232 Montanas.
PICAPES MÉDIO-COMPACTAS
A Renault foi rápida e inaugurou esse segmento com a Duster Oroch no ano passado, é verdade. Mas a falta de apelo e de tradição no segmento não ajudaram, e os holofotes se voltaram para a Fiat Toro, lançada poucos meses depois. Derivada de uma plataforma Jeep (é feita em Pernambuco na linha de Renegade e Compass), a nova picape Fiat é o que se chama de um SUV com caçamba.
Com 31.943 unidades vendidas até a metade de agosto (ante 6.487 da Oroch), a Toro é a líder entre todas as picapes do Brasil, o que despertou a cobiça da concorrência. Hyundai, VW e GM já demonstraram (muito) interesse em participar desse lucrativo segmento. Para quem tem um SUV médio-compacto, não é complicado fazer uma derivação picape, e é esse caminho que será trilhado pelas montadoras citadas, talvez outras. Mas até lá, a Toro vai surfar tranquila, como ocorreu com o pioneiro Ford EcoSport entre os crossovers.
PICAPES MÉDIAS
Essas pouco sofreram o assédio de Toro e Oroch. E podem se beneficiar a médio e longo prazo do crescimento do segmento das irmãs menores, já que tendem a ser a evolução natural para quem procura picapes de porte superior.
Nessa praia, quem manda é a Toyota Hilux. Ou simplesmente Hilux, pois as pesquisas a apontam quase como uma marca própria, que prescinde do fortíssimo prenome Toyota. Ela já emplacou 20.325 unidades até a metade de agosto, quase o mesmo que as picapinhas mais vendidas. É a rainha do campo, da pesca e do agronegócio, na falta de modelos maiores como a Ram 2500 (limitada em vendas por ser importada, com cotas pequenas e preços elevados).
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É grande a vantagem de emplacamentos da Hilux sobre a Chevrolet S10 (17.793 unidades), apesar da maior capilaridade da rede GM. No bloco intermediário vêm Ford Ranger (9.017), VW Amarok (6.462) e Mitsubishi L200 (8.232). Na rabeira, a Nissan Frontier (2.372). Aqui, fica claro a força da tradição. O território é nitidamente da Toyota e da Chevrolet, e poderia ser da Ford e da Mitsubishi. Mas a primeira perdeu o foco e a segunda está em crise global e local.
Seja qual for o porte, o fato é que tradição e confiança contam muito entre as picapes. Isso explica a dificuldade de novos entrantes como VW (com a Amarok), Renault, Peugeot e Nissan. E será esse o desafio das marcas que resolverem desfiar a líder Toro, que se beneficiou da força da Strada. A Chevrolet leva vantagem nesse quesito, graças à força da S10, mas VW, Hyundai e outras terão de mostrar que também são robustas e versáteis, que é o que conta nessa categoria de veículos.
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