Sinceramente, não sei como é em outros países, mas no Brasil qualquer carro da Honda similar a um concorrente custa mais do que a média. Em alguns casos, bem mais. A empresa japonesa é especialista em fazer a transposição daquilo que os pensadores identificam como coisas reais, simbólicas ou imaginárias. Por isso, o imaginário brasileiro, muitas vezes, supervaloriza o real quando se trata de um carro da Honda.
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Não é de hoje que isso acontece. Em muitos casos, a Honda faz por merecer. Peguemos sua história no Brasil. Qual é a marca que popularizou a motocicleta no país? A Honda. Houve época em que sua moto CG 125 vendia mais do que um Volkswagen Gol – e isso nos tempos mais gloriosos do carro que foi 27 anos consecutivos campeão de vendas. Qual é a marca que embalou quatro campeonatos mundiais do Brasil na Fórmula 1? A Honda. Primeiro com Nelson Piquet, depois três vezes com Ayrton Senna. Pronto. Está feito o tempero que vai embalar a marca por anos e anos no mercado automotivo.
Faltava só um fato relevante na área de carros para que toda a simbologia em torno da Honda entrasse definitivamente no imaginário do consumidor brasileiro como uma marca acima de qualquer suspeita, acima dos riscos que acompanham a compra de um carro e, portanto, com sinal verde para cobrar mais pela imagem do que pelo produto. E isso aconteceu em 2001 e 2002, quando a revista Quatro Rodas levantou a bola para que a Honda passasse dois anos fazendo estardalhaço das qualidades do Fit, com a assinatura da publicação de automóveis mais tradicional do país.
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Uma combinação de marca admirada, raros problemas de manutenção e modelos bem fabricados deu à Honda o “direito” de ficar acima do mercado, cobrando preços acima daqueles que são praticados por marcas “comuns” com produtos similares. É por isso, por exemplo, que o Honda WR-V, um crossover derivado do Fit, com motor1.5 e nada de excepcional, custe incríveis R$ 79.400 na versão de entrada. Só para comparar, o Nissan Kicks, com potência semelhante em seu motor 1.6, um design exclusivo, feito pelo genial Shiro Nakamura (criador do GT-R Godzilla, entre outros), com algumas tecnologias inovadoras, custe R$ 70.500 na versão de entrada com câmbio manual e R$ 79.200 na CVT.
O WR-V é um bom carro, como todos os outros Honda, mas não tem sentido custar mais do que outro SUV autêntico novinho, bem desenhado, como o Renault Captur, que parte de R$ 78.900 com câmbio manual. Ou mais que o excelente Peugeot 2008, que custa R$ 69.990 com transmissão manual e R$ 76.890 com câmbio automático. Por que a Honda cobra mais caro? Porque o brasileiro paga! Entre os carros citados, o WR-V (1.563 emplacamentos em junho) só vende menos do que o Kicks (2.473), mas supera o Captur (1.103) e o 2008 (893 carros).
Que fique claro, mais uma vez, que não tenho nada contra os carros da Honda. Pelo contrário. Já fiz inúmeras reportagens elogiando seus modelos. Mas defendo a tese de que ela cobra mais por seus carros devido à ótima imagem que possui, devido à forma como os brasileiros a enxergam, muito mais do que por méritos do produto. Parabéns à Honda por conseguir, pois é assim que as marcas premium vivem.
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Páreo duro
Só que a Honda não é uma marca premium. Dentro de seu portfólio, temos outro exemplo: o Civic 1.5 Turbo, que custa R$ 124.900. Isso significa cerca de R$ 10 mil a mais do que o Chevrolet Cruze 1.4 Turbo (R$ 115.190) em sua configuração completa, o que os torna muito semelhantes. Sem contar que o Cruze de entrada, também com o moderno motor 1.4 turbinado, custa R$ 91.890, enquanto o 2.0 aspirado do Civic sai por R$ 94.900 com câmbio CVT (sua versão mais barata, manual, custa R$ 87.900). Mas nem o Civic nem o Cruze são líderes no segmento de sedãs médios. Ambos perdem para outro japonês cuja fama transcende em muito sua tecnologia e atualidade do projeto, o Toyota Corolla, que teve seus preços elevados para a faixa de R$ 99.990 a R$ 114.990 nas versões com motor 2.0. Ele foi puxado pelo Civic, que chegou com um preço absurdo. E colou. As vendas continuaram ótimas.
Recentemente perguntei ao vice-presidente da General Motor, Marcos Munhoz, por que o Cruze e o Civic, sendo nitidamente mais modernos e dinamicamente superiores ao Corolla, não conseguem fazer a mínima ameaça ao sedã da Toyota, o mais antigo dos três. Ele me respondeu: “Teríamos que passar 10 anos anunciando todo dia que o nosso carro nunca quebra, pois foi essa a imagem que a Toyota conseguiu colocar na cabeça dos consumidores brasileiros”.
Como se vê, não basta ter um bom produto para prosperar. E nem precisa ser barato para vender, como prova a Honda. Muito mais importante é ter uma imagem, é fazer com que o consumidor não veja o real, mas sim o simbólico e o imaginário. No Brasil, isso funciona mesmo! O que diz muito mais sobre o comportamento do brasileiro do que sobre os carros que ele compra. Mas já isso já é tema para outro dia.