SUV. Essas três letrinhas, que são a sigla na língua inglesa para Sport-Utility Vehicle (ou Veículo Utilitário-Esportivo) ainda assombram o Planeta Carro, três décadas depois de se popularizem e duas décadas depois de se tornarem amigáveis ao volante. Por que? Qual a razão de os SUVs serem, ao mesmo tempo, nossa paixão e nosso terror? Talvez essa seja uma questão que tenha mais a ver com tradição e preconceito do que com a realidade.
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No Brasil, os SUVs já povoam as ruas desde a abertura do mercado para os carros importados, em 1990, ainda sob o governo Collor. Os primeiros utilitários-esportivos que fizeram sucesso em terras de Pindorama foram o Nissan Pathfinder, o Jeep Cherokee e o Mitsubishi Pajero. De repente, saíram de cenas aquelas horrorosas picapes cabine dupla com a caçamba coberta, transformadas em carros, para chegarem carros de verdade. Ou melhor: carros que mecanicamente estavam muito mais próximos de um caminhão do que de um automóvel de passeio.
Afinal, os primeiros SUVs usavam carroceria montada sobre chassi, como as picapes médias utilizam até hoje. Mas, apesar de serem ruins de dirigir e de pularem como cabrito, começaram a ganhar mercado. Primeiro, por sua robustez. As famílias que viajavam para o campo apreciavam seu espaço interno, sua capacidade off-road (todos tinham tração 4x4 e reduzida), sua robustez e seu status. Ter um SUV era “estar por cima” – e isso, de certa forma, não mudou até hoje, apesar de não ser mais verdade. Assim, os Pathfinder, Cherokee e Pajero da vida ganharam tantos fãs que logo surgiram concorrentes, como o Toyota Hilux SW4 e o Chevrolet Blazer (mais tarde rebatizado de Trailblazer).
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O negócio parecia tão bom que provocou duas reações a reboque da aprovação do público. Primeiro, das montadoras, que viram nos SUVs um verdadeiro filão para seus negócios. Segundo, pelos jornalistas especializados, que aumentaram o tom das críticas contra esses carros “desproporcionais, ruins de dirigir, desconfortáveis, instáveis e sobretudo perigosos para quem batesse contra eles”. Tudo isso era verdade. Até que a BMW teve uma ideia genial: já que as pessoas gostam tanto de utilitários-esportivos, por que não dar a eles exatamente aquilo que lhes falta?
E assim nasceu o BMW X5. Com carroceria monobloco, como os carros. E junto com ele o Volkswagen Touareg, o Mercedes-Benz GL e até o Porsche Cayenne! Foi um sucesso estrondoso. Na Bavária, a BMW bem que tentou dar um nome diferente, chamando seus SUVs de SAV (Sport-Activity Vehicle). Perfeito. Mas não pegou. Por mais que os SUVs mudassem tecnicamente, posicionando-se muito mais como carros do que como utilitários, o nome permaneceu. E enquanto os especialistas torciam o nariz pela entrada da nossa amada Porsche, genitora do cultuado cupê 911, nesse mercado de “caminhões”, os cofres de Stuttgart começaram a ficar cheios de dinheiro. SUV é ouro. E isso ninguém pode negar.
Da nossa parte, não apenas os jornalistas especializados, mas todos que amam o carro baixo, dinamicamente perfeito, de aerodinâmica impecável, restou resmungar. Não damos o braço a torcer! Por mais que a Porsche tenha aperfeiçoado a qualidade dinâmica do Cayenne, por mais que a BMW tenha feito inúmeros sucessores esportivos para o X5, como o X6M, o X4 e o próprio X5M, por mais que a Mercedes tenha nos dado um GLE Coupé com a impecável qualidade da mecânica AMG, por mais que a Land Rover tenha provado com o Evoque que um SUV pode ser esportivo e até conversível (!), continuamos, todos nós, torcendo o nariz contra os SUVs!
No fundo, pensamos assim: esse carro é bom, mas não merece ter sucesso. Saudade das peruas! Só que ninguém quer. Saudade dos hatches bons de guiar! Só que ninguém quer. Saudade até das minivans! Só que ninguém quer. Esse carro não merece ser chamado de SUV, só que não, ops, só que sim!
Nós, especialistas e donos da verdade em geral, às vezes somos os últimos a perceber que o mundo mudou. Temos nosso valor como guardiões da tradição, é claro, mas não podemos impor a nossa vontade numa sociedade de consumidores que, como o nome diz, é manejada pelos próprios. A indústria automobilística quer apenas ganhar dinheiro – algumas com mais paixão, outras com menos – e na verdade ela é apenas um enorme títere manejado pelo mercado comprador de carros.
Não pode!
Ainda dentro da revolução dos SUVs, no início do século a Nissan lançou uma variante do SAV da BMW: o crossover. O carro pioneiro foi o Nissan Qashqai. E o que é um crossover? Nada mais, nada menos, que a combinação de qualquer carroceria com um SUV. Hatch + SUV = crossover. Minivan + SUV = crossover. Perua + SUV = crossover. Existem muitos exemplos no mercado. E isso bastou para que nós, os guardiões da tradição, ficássemos indignados cada vez que um crossover fosse chamado de SUV. Não pode! Tem os vidros muito caídos. Não pode! Falta tração 4x4. Não pode! É muito baixo em relação solo. Não pode! Ah, pode sim. Em vários países, crossover são chamados de crossovers, porém cada vez menos, e aqui no Brasil qualquer carro um tantinho mais elevado já é chamado de SUV. Tanto que muitos de nós só aceitam chamar de SUV os “legítimos” Chevrolet Trailblazer e Toyota SW4 (aqueles de duas décadas atrás), pois ainda mantêm a carroceria sobre o chassi.
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Relaxem, amigos! Vamos aceitar o fato de que não só as mulheres gostam de SUV; os homens também. Vamos aceitar o fato de que as pessoas prezam mais a aparência do que a dinâmica. Vamos aceitar o fato de que carros baixos, em cidades esburacadas e estradas ruins, são cansativos para o dia-a-dia.
Portanto, nesse artigo, eu me rendo oficialmente à vitória final e consagradora dos SUVs de qualquer jeito, espécie ou modelagem. Mas, por favor, nunca deixem de fabricar uma Ferrari, um BMW M2, um Jaguar F-Type e, principalmente, um Porsche 911. Os especialistas, humildemente derrotados, agradecem!