Apesar da crise, o mercado de luxo no Brasil movimentou aproximadamente R$ 26,2 bilhões em 2018, segundo a consultoria Euromonitor Internacional. A pesquisa inclui todos os segmentos de consumo, como vestuário, eletrodomésticos, jóias, relógios e automóveis, e faz bom paralelo com o estudo divulgado no mês passado pela Fundação Getúlio Vargas.
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De acordo com a pesquisa brasileira, os 10% mais ricos do Brasil tiveram incremento de 2,55% na renda - ainda que a metade mais pobre da população tenha perdido 17,1% nos últimos 17 trimestres. Isso explica o lançamento de tantos veículos caríssimos, como Audi Q8 (a partir de R$ 471 mil), Range Rover Velar (R$ 376 mil) e Porsche 911 (R$ 515 mil).
Mas fazer uma marca premium vingar por aqui nunca foi fácil, e sempre dependeu de muitos cálculos para que fosse viável. Foi o que pudemos aprender após um bate-papo com o austríaco Johannes Roscheck , presidente e CEO da Audi do Brasil, durante o lançamento do novo Q3, do qual a reportagem de iG Carros participou.
Até o ano passado, o SUV foi fabricado no complexo de São José dos Pinhais (PR), mas passará a vir importado da Hungria, em fevereiro de 2020. Com o fim da produção do A3 Sedan, marcado para o ano que vem, há um grande ponto de interrogação no futuro da Audi nacional.
“É complexo. Faltam definições sobre o Rota 2030”, diz Roscheck. “A fábrica de Pinhais segue produzindo o A3 até o ano que vem, mas ainda esperamos novos detalhes para saber se um novo carro nacional tem boa chance de ser um sucesso”.
Seguindo o aumento da demanda por artigos de luxo, a Audi espera um crescimento razoável nos próximos dez anos. “Queremos ficar, não apenas como uma marca que importa, mas que também tem um pé no Brasil”, conclui o presidente.
Ter fábrica ainda é viável?
De fato, ter uma fábrica no Brasil foi mais fácil para a Audi do que para as outras marcas do trio de ferro alemão, ou a Jaguar Land Rover. O grupo inglês precisou desembolsar R$ 750 milhões para a fabricação do Discovery Sport em Itatiaia (RJ) em 2016; a BMW investiu algo em torno de R$ 1 bilhão em Araquari (SC), em 2014; enquanto a Mercedes-Benz precisou do aporte de R$ 700 milhões em Iracemápolis (SP), no ano de 2016.
A fábrica de São José dos Pinhais já nasceu como um complexo integrado entre Volkswagen e Audi, em 1999. Ao longo destes 20 anos, foram mais de 2,5 milhões de emplacamentos, com destaque para Fox, Golf, A3, Q3 e T-Cross. Basicamente, a construção de uma terceira fábrica da Volkswagen no Brasil já faria sentido, independentemente da presença da Audi. Para fabricar a dupla A3 e Q3 nesta década, a Audi precisou de mais R$ 500 milhões, aportados em 2013.
“Estamos em uma fase diferente de nossas rivais”, aponta Roscheck. “Eu não gostaria de estar nos sapatos das concorrentes que construíram fábricas no Brasil. Compartilhamos a nossa com uma marca de volume, que é a Volkswagen , e isso é uma grande vantagem para nós”.
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Os carros da Audi compartilham muito mais do que a fábrica com os Volkswagen. Na prática, A3, Q3, T-Cross, Polo e Golf são feitos sobre a mesma plataforma modular MQB, e também dividem motores, kits de mídia e muitas outras tecnologias. Isso fez o grupo alemão gastar menos com peças e fornecedores para o abastecimento de Pinhais.
O caso Volvo
Após ser comprada pela Geely, a Volvo deu um verdadeiro salto nas vendas em todo o mundo. E a situação é ainda melhor no Brasil. Enquanto suas vendas globais cresceram 11,3%, a marca sueca pulou para 63,2% por aqui no começo de 2019. Isso só foi possível com o lançamento dos novos XC60 e XC40, dois SUVs de grande sucesso.
“Acredito que as fabricantes de luxo que estão construindo fábricas no Brasil sairão prejudicadas a médio prazo”, contou Paulo Solti, ex-presidente da Volvo Cars, em 2013 ao Automotive Business. “Essas marcas terão que trabalhar com altos volumes produtivos para justificar o investimento”.
Seis anos após a declaração de Solti, a fábrica da Land Rover produz oito vezes menos do que era previsto, com o emplacamento de apenas 3 mil carros anuais. A estratégia da BMW do Brasil foi abrir exportações do X1 para outros mercados em 2016, incluindo os Estados Unidos.
Livre comércio com a União Europeia
Em julho, foi fechado o acordo de livre comércio entre América do Sul e o Velho Continente. O Mercosul vai zerar tarifa de importação de carros da União Europeia em 15 anos. Nos primeiros 7 anos de vigência do novo acordo, uma cota de veículos pagará metade da alíquota atual. Em seguida, o imposto cairá gradualmente, até ser completamente eliminado.
Isso vem a calhar com o momento da Audi no Brasil. Com a produção local enfraquecida, pagar menos impostos para importar veículos da Europa ao Brasil é uma boa notícia. Roscheck, por outro lado, diz que ainda não se pode tirar qualquer conclusão para a próxima década.
“Estamos longe de um acordo que realmente tenha efeito; nem União Europeia e nem o Mercosul estão realmente certos disso”, diz o presidente, referindo-se ao fato de que não há data para o acordo entrar em vigência. “Toda a indústria tem dificuldades com a competitividade internacional, e sem corrigir isso é difícil sobreviver”.
Bolsonaro
Questionamos o presidente da Audi sobre sua opinião em relação aos dez primeiros meses do atual governo. Roscheck afirma que as reformas que foram iniciadas são cruciais para o sucesso de mercado. “Independentemente do governo em si, o Brasil está na direção certa. As coisas poderiam ser muito mais rápidas, pois o povo brasileiro está esperando. Ainda falta confiança no futuro para soltar o freio de mão. É algo positivo por um lado, mas sou impaciente e é tudo muito lento”.
Futuro dos automóveis
Um estudo do Denatran informou que o número de jovens habilitados entre 18 e 24 anos caiu 27% entre 2014 e 2018, apontando novos paradigmas para a mobilidade urbana num futuro próximo. “São os novos tempos. No dia em que completei 18 anos, já estava na frente da escola para tirar a minha habilitação”, brinca Roscheck.
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“Nem todas as marcas vão sobreviver, mas a Audi vai. O segredo é virar a chave mais rápido que as demais. Amo tudo que envolve o cheiro de gasolina, mas o futuro é elétrico”, diz. “Lembra das revistas clássicas? Muitas morreram, mas as revistas premium vão sobreviver. Com tantas tecnologias novas, acho que o livro será um artigo de luxo no futuro - mas hoje não é”. O presidente finaliza em tom otimista: “O carro em si não é suficiente, precisa haver um serviço que justifique o modelo premium”.