“Nouvelle cuisine é um modo de cozinhar e apresentar usado na cozinha francesa a partir da década de 1970. Em contraste com a cozinha clássica, é caracterizado pela leveza, pela delicadeza dos pratos e pela ênfase na sua apresentação”, diz a página da Wikipedia. Voltando ao mundo dos automóveis, reunimos aqui dois utilitários-esportivos compactos, também originados da França, e que também apostam na apresentação – no caso, um design ousado. São eles, Citroën C4 Cactus e Renault Captur.
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Citroën C4 Cactus e Renault Captur servem àqueles consumidores que consideram algumas novidades como o VW T-Cross meio “sem sal” e também aos que acham que Hyundai Creta , Honda HR-V , Nissan Kicks e Jeep Renegade já viraram “carne de vaca” (são mais de quatro mil unidades de cada vendidas mensalmente; Captur e C4 Cactus têm emplacado, em média 1.800 e 1.400 carros, respectivamente).
Essas receitas francesas, porém, foram adaptadas ao mercado local. No caso do Captur, tratou-se de uma adequação aos ingredientes disponíveis. Na Europa, o crossover-SUV francês nasce da plataforma do hatch Clio, que não temos aqui, onde ele então adota a base do Duster.
Já no caso do Citroën, houve uma adaptação a gostos e necessidades: o C4 Cactus é vendido na França como hatch, mas no Brasil virou SUV, e até ganhou novas suspensões dignas desse nome (a marca, inclusive, o chama de “SUV Citroën C4 Cactus”).
O Captur parte de valor mais baixo, R$ 91.090, mas com todos os opcionais (e a pintura mais cara, vista nas fotos) chega quase aos R$ 95.990 do C4 Cactus Shine, versão topo de linha – e única com motor turbo na gama, tão equipada quanto a 1.6 aspirada Feel Pack (R$ 8.500 menos, 118 cv, sem seletor de terreno).
O Citroën tem um kit de opcionais com sistemas semiautônomos, retrovisor eletrocrômico e os airbags de cortina – nenhum desses disponível no rival – que soma R$ 4 mil. Assim, na faixa de R$ 96 mil, as listas de equipamentos são similares, com vantagens pontuais para cada um deles (tabela ao lado).
Comer com os olhos
O design automobilístico francês sempre foi marcado pela inovação, e aqui não é diferente. A primeira impressão causada por esses crossovers-SUVs é forte. Ambos apostam em formas inusitadas – na carroceria, conjuntos óticos e apliques nas laterais das portas – e oferecem pintura bicolor para reforçar o estilo (opcional caro, chegando à faixa de R$ 3 mil em ambos, dependendo das cores).
O apelo de design não se limita ao exterior: na cabine, também ousam. No Cactus há uma faixa de jeans no canto do painel e até a alavanca de câmbio, “perfurada”, é estilosa. O interior não é criativo como o original francês, mas é divertido, com painel com formas inusitadas – como o volante meio “aquadradado” e as portas com reentrâncias curiosas. O quadro de instrumentos é retangular e digital, mas não tem diferentes opções de visualização.
Já no Captur, formas não tão únicas, exceto pelo cluster com velocímetro digital no centro e conta-giros e marcador combustível em semicírculos colocados dentro de elementos redondos “esticados” nos cantos superiores. Há um porta-objetos no alto do painel, mas, dependendo do que você guardar lá, pode gerar ruído.
O local para encaixar a chave presencial (no caso, cartão) é bem-vindo (como o sistema que tranca o carro ao se distanciar dele, coisa que outros modelos com chave presencial não fazem). De negativo, os seletor Eco e do regulador/limitador de velocidade ficam mal-localizados, debaixo do freio de mão.
Pena que em ambos sejam raras as superfícies macias, com materiais emborrachados ou couro. Até no tecido das portas – não há couro mesmo nas versões com banco desse material – eles economizam. Mas, como vimos com o Volkswagen T-Cross, acabamentos mais simples parecem ser tendência. Aqui, pelo menos aos olhos eles agradam.
Parlez-vouz Français?
Em conectividade, ambos deixam a desejar. O sistema multimídia da Citroën é completo e compatível com Android Auto e Apple CarPlay – e o do rival não. O problema é que quase tudo no carro é controlado na mesma tela: você quer mexer no ar, o mapa do GPS some – é preciso apertar “Menu” e o logo do sistema para voltar onde estava.
Toda vez. Quando faz coisas como ligar o limpador, a tela anuncia e o mapa some. Quando fica perto do carro adiante, aparece um alerta e o mapa some (se tiver o pack com anti-colisão, que irrita, mas aumenta a segurança). Pelo menos há botões touch e giratório para o volume, além dos comandos no volante.
Já o sistema do rival da Renault tem GPS off-line com dados de trânsito e um interessante sistema que ajuda a dirigir mais economicamente, porém não conecta com Android e Apple e tem interface ruim – não é possível tocar aleatoriamente músicas de diferentes pastas de um pendrive. O botão do volume é lento, mas ele pode ser ajustado no comando satélite do volante (clássico Renault).
Sabores distintos
O estilo pode ser o principal atrativo desses modelos, mas não é o único. Eles têm outras qualidades – cada uma as suas, pois, apesar das semelhanças, têm sabores bastante distintos. Porque se uns gostam de pimenta, outros preferem sem.
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Como a Renault teve que adaptar seu Captur aos ingredientes locais, foi ele quem teve a maior alteração no resultado. Longe do esperto mini-SUV com motores 0.8 e 1.2 turbo e câmbio de dupla embreagem do Captur europeu, a versão nacional, com base de Duster, tem um motor 1.6 aspirado e um câmbio CVT suave… até demais. Falta força, e o desempenho parece de 1.0.
Com quase 1.300 kg, o SUV merecia mais (a versão 2.0 de 148 cv custa R$ 600 a mais, porém o câmbio automático de quatro marchas mata o desempenho; o ganho não compensa o aumento no consumo). A simulação de marchas é um esforço em vão: nada consegue acrescentar esportividade ao Captur.
O Renault tampouco agrada a quem é exigente com posição de dirigir – falta ajuste de profundidade do volante –, enquanto a dinâmica casa com o desempenho: suspensões macias, com clara prioridade ao conforto, e direção eletro-hidráulica lenta (podia ser mais leve em manobras).
É carro para dirigir suavemente, mas o modo Eco chega a exagerar: deixa o Captur assustadoramente lento, e não melhora muito o consumo. Falando nele, foi ruim com etanol durante a avaliação, não passando de 4,5 km/l na cidade e 8 na estrada, mas com gasolina a 120 km/h (2.200 rpm), fez 12,5 km/l. Já na cidade – onde o CVT mais beneficia o consumo – se aproximou de 9 km/l. Apenas razoável.
O Captur pode ser um tanto sem sal para o motorista, mas é um prato bem servido, para toda a família (diferente dos minúsculos da nouvelle cuisine). Com 4,33 m de comprimento e 2,67 m de entre-eixos, o Renault tem cabine muito espaçosa, acomodando cinco adultos e bagagem (437 litros, o mesmo que Creta-Kicks-HR-V). É uma das vantagens em relação ao rival C4 Cactus, com cabine “justa” para quatro, apesar do bom espaço para os joelhos atrás, e bagageiro com boca pequena e só 320 litros (igual ao do Jeep Renegade).
No Citroën, a receita foi menos alterada e mais, digamos… adequada ao Brasil. Com vantagens, considerando nosso mercado e nossas ruas. Além das suspensões que o promoveram de hatch para SUV, ganhou uma dose de pimenta na mecânica. Fica devendo o 1.2 turbo da Europa, melhor que o 1.6 das versões de entrada daqui. Mas, nesse Shine, o excelente 1.6 turbinado (THP) é a estrela. Enquanto o rival está entre os SUVs mais lentos do Brasil, o C4 Cactus é o mais rápido abaixo de R$ 200 mil. Com 173 cv, chega a 100 km/h em 7s3, retoma bem e atinge, sem queixas, velocidades altíssimas.
A posição de guiar é perfeita, com amplos ajustes da coluna, e a direção, embora não seja exatamente rápida ou precisa (para dar um toque de SUV?), tem peso correto e é comunicativa, na mesma pegada esportiva. O mesmo podemos dizer das suspensões: são de SUV, mas, acredite, apesar dos ótimos 22,5 cm de vão do solo – mais que os 21,5 cm do rival – o Cactus faz curva melhor do que se imaginaria. Um trabalho excepcional da Citroën.
Bem acertado também é o câmbio automático, convencional de seis marchas. Pena não haver aletas para usar no modo manual, mas ele trabalha bem por conta própria e há os modos Eco e Sport, que alteram seu comportamento.
No Eco, aproveitando o excelente torque de 24,5 kgfm já disponível na totalidade a 1.400 rpm, adianta ao máximo as trocas de marcha, deixando um ronquinho grave e gostoso para trás, e com dirigibilidade suave como a do rival. No “normal”, o C4 já fica super aceso e, no Sport, vira um utilitário esportivo de verdade, com aceleradas que fazem grudar no banco (que podia ser mais macio) e até um pouco de torque steering.
O mais incrível é que na estrada a 120 km/h (2.000/2.500 rpm) marcamos 15 km/l, bem melhor do que indica o PBEV-Inmetro (talvez porque faça o teste no modo padrão). E o Citroën ainda é silencioso, porque nunca estica marchas – coisa que o rival com seu CVT faz com frequência. Tão silencioso que um barulho de vento na parte traseira da cabine nos incomodou.
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Ah, e caso você vá de fato encarar alguma aventura, tipo um “off-road light”, o Citroën tem, além da maior altura do solo e do torque maior, a vantagem do seletor de terreno (Grip Control), que atua no ESP (leia mais na página 60). Pode ajudar bastante em superfícies com pouca aderência.
Ao gosto do freguês
No fim, apesar de os dois franceses se basearem principalmente no visual ousado para morderem sua fatia do mercado – aqui, na mesma faixa de preços – cada um agrada a paladares diferentes. Se você não precisa tanto de espaço interno, o C4 Cactus é mais divertido de guiar, mais conectado e tem um interior mais interessante – e ainda é mais econômico.
Um verdadeiro esportivo com suspensões de SUV, é o vencedor dessa briga. Mas o Renault Captur ainda pode ser uma opção boa para quem também quer fugir do comum, mas precisa de um carro muito espaçoso – desde que seja motorista pacato e não ligue tanto para consumo.