Em meio à pandemia, os paradigmas, as praxes e os procedimentos convencionais na hora de comprar e vender carros estão postos em xeque. Segundo dados da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), o coronavírus derrubou em mais de 70% as vendas de veículos no Brasil. Com apenas 55,7 mil veículos novos vendidos em abril, o mercado brasileiro registrou o pior resultado mensal para o setor desde fevereiro de 1999.
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A solução mais recente no mercado automotivo , a venda remota, chega em mais uma marca. A Hyundai acaba de anunciar o Hyundai Express, serviço digital para a compra dos modelos HB20 e Creta de maneira totalmente remota. Nele, é possível realizar a montagem do veículo pela Internet, ser atendido por um vendedor via aplicativo de mensagem com vídeo-chamadas, agendar test-drive no próprio domicílio, realizar uma avaliação on-line de seminovo veículo para troca, simular financiamento e até receber o carro adquirido em casa.
Além do exemplo da Hyundai — que não é a única fabricante a adotar novas medidas como essas — a VW é outra que já oferece soluções. Há alguns meses, apresentou o VW Move, projeto que oferece locação de veículos pelo prazo mínimo de uma hora. Entre os modelos disponíveis, estão o T-Cross Comfortline, do Virtus Comfortline e o Voyage AT, que custam, respectivamente, R$ 19, R$ 17 e R$ 12 a hora. Já a diária sai por R$ 110, R$ 100 e R$ 79, pela ordem. Também é cobrado o valor de R$ 0,50 por quilômetro rodado.
Cada vez mais a ideia de comprar um automóvel, pensando na necessidade, está se tornando algo do passado. As novas concepções de mobilidade já estão transformando o perfil dos consumidores, e com essa pandemia, mais questões estão sendo confrontadas, a maior delas, a necessidade de se estar presente fisicamente em qualquer lugar.
Reinvenção entre os profissionais do setor
Entrevistamos o especialista do mercado automotivo, Leonardo Macedo, que conta sobre a movimentação nos bastidores. “Há quase uma década, de uns 8 ou 9 anos para cá, as montadoras passaram a cobrar e exigir que a rede explorasse o canal de vendas remoto, por meio de leads, pois os vendedores não tinham o hábito de trabalhar com eles. No exterior, isso já era bastante difundido na época, e vinha cada vez mais trazendo resultados relevantes. Tem montadora que cobra multas por leads não respondidos em quatro horas, inclusive”, afirma.
“Se antes isso era visto como uma burocracia e era comum os vendedores não darem tanta importância, nesse período de quarentena se tornou a única saída. A transformação será mais complicada para quem não praticava antes. O próprio WhatsApp tem sido muito utilizado, pela praticidade de entrar em contato e pela possibilidade de mandar os folders . Outra saída, adotada pela Land Rover CB do Tatuapé (SP), por exemplo, tem sido o das lives interativas com os clientes, demonstrando os produtos e qualquer dúvida pontual ”, completa Leonardo.
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Vários profissionais do setor automotivo disponibilizam todas as descrições e fotos possíveis de seus veículos nos seus canais digitais, sejam sites de vendas ou redes sociais. Inclusive, houve casos, conforme lembra Macedo, de concessionárias tentando atender clientes presencialmente, mesmo que de portas fechadas. Entre as paulistanas, algumas foram pegas pela fiscalização. Além de terem sido lacradas, tiveram que pagar uma multa no valor de R$ 83 mil.
Por sua vez, Cristiano Dantas, diretor comercial da Tecnobank, faz uma análise de comportamento do consumidor, ante os novos canais de compra e venda: “O brasileiro teve que perder aquele costume de olhar pessoalmente o carro para comprar. Passou a aceitar comprar um carro por delivery , caso ele esteja em condições iguais ao que viu nas fotos”.
As compras on-line também fizeram prevalecer um pouco o perfil dos clientes. Luís Antônio Sebben, vice-presidente da Fenabrave e diretor do grupo Slaviero, afirma ter vendido mais carros de alto valor nas últimas três semanas. Por exemplo as picapes, que antes representavam 20% das vendas na concessionária e hoje chegam a 40% do volume nos últimos dois meses.
“Não significa que não tivemos propostas para veículos mais populares. Mas, como a inadimplência aumentou, os bancos estão restringindo o crédito neste momento, e por isso, algumas propostas não estão sendo aprovadas. Antes da pandemia, de cada 10 cadastros que mandávamos para os bancos, quase todos eram aprovados. Agora, são cerca de quatro para carros, dois para motos e cinco para caminhões. E isso prejudica, porque de 70% a 80% dos veículos são financiados”, afirma.
Apesar da inadimplência ser menor entre consumidores com maior poder aquisitivo, há um contraponto no ramo das blindagens, outro que compõe o segmento de luxo. Leonardo Macedo diz que muitas blindadoras, que tinham os boletos como uma das formas de pagamento, os excluíram nos últimos dois meses. Estão aceitando apenas pagamento à vista ou cartão de crédito, justamente para se proteger da inadimplência, que estava para aumentar consideravelmente em suas negociações.
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Assim, o mercado automotivo vai tentando driblar a crise do coronavírus . O setor vinha se recuperando depois de anos difíceis. A venda de veículos novos cresceu 8,65% em 2019, quando foram emplacados 2,78 milhões de veículos no País. Para 2020, por enquanto, as estimativas mais plausíveis apontam para uma queda de 40% nas vendas em 2020 em relação ao ano anterior.
O ideal é se precaver ao máximo da tendência inevitável do desemprego em massa nas montadoras, no setor de autopeças, em concessionárias, locadoras e outras áreas similares. Nesta sexta-feira (8), a Anfavea dará uma coletiva para comentar mais a fundo sobre a realidade econômica do País e os reflexos no mercado automotivo .