
Os veículos importados foram responsáveis por 61% do aumento nas vendas de carros no mercado brasileiro no primeiro trimestre de 2025. Das 37,2 mil unidades a mais emplacadas entre janeiro e março comparado ao mesmo período do ano passado, 22,6 mil vieram de fora, principalmente da Argentina e da China.
O mercado começou o ano em ritmo acelerado e apresentou crescimento em praticamente todos os indicadores. Porém, o setor de importados chama atenção justamente pelos motivos.
A reação na economia argentina — que voltou a importar e exportar veículos do Brasil de forma mais acelerada — e o avanço do mercado chinês no segmento de automóveis elétricos, foram os responsáveis pelo número positivo, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA).
Em paralelo, a produção nacional cresceu 8,3% no trimestre, mas sofreu uma queda expressiva de 12,6% em março. Esse recuo, segundo a ANFAVEA, foi motivado pelo ajuste de estoques e pela retração nas exportações no mês, mesmo com o acumulado do trimestre mostrando alta de 40,6% nos embarques, sobretudo para a Argentina.
A combinação entre crescimento das vendas diretas (com maioria para locadoras) e a entrada massiva de importados mostram um desequilíbrio preocupante.
Enquanto o consumidor final ainda sente os efeitos do alto custo de financiamento – que atingiu o maior patamar da história, com taxa média de 29,5% ao ano para pessoas físicas – frotistas e empresas continuam sendo o motor das vendas.
Se, por um lado, o Brasil celebra o melhor primeiro trimestre desde 2021 em produção e vendas, por outro, enfrenta um cenário de aumento da vulnerabilidade externa que pode ser agravado pelas tarifas impostas por Donald Trump, presidente dos Estados Unidos.
Brasil está preparado para um mercado mais globalizado?
Em entrevista ao iG Carros, o economista Luis Ricardo Melo disse que o aumento das importações revela tanto um novo comportamento do consumidor, quanto falhas estruturais da indústria nacional.
“Após a pandemia, observamos um aumento significativo nos preços dos veículos, sem que a renda da população acompanhasse esse movimento”, avalia.
Para o especialista, os consumidores passaram a buscar opções que oferecessem melhor relação custo-benefício.
“Os veículos importados, particularmente os chineses, têm se destacado por oferecer tecnologias avançadas a preços mais acessíveis, atendendo a essa nova demanda do mercado”, explica.
Mais do que uma simples consequência da globalização, a tendência escancara lacunas na política industrial do país.

O Brasil, segundo o especialista, ainda lida com altos custos de produção, defasagem tecnológica e um sistema tributário complexo — o famoso "Custo Brasil" — que compromete a competitividade dos veículos nacionais.
“Estamos enfrentando uma defasagem tecnológica considerável, principalmente na produção de veículos elétricos e híbridos. Se não houver estímulos claros para inovação e redução do chamado ‘Custo Brasil’, o cenário pode se agravar rapidamente”, alerta o economista.
Paradoxo das tarifas para o Brasil
Em meio a este cenário, a adoção de tarifas de importação mais altas — como as recentemente promovidas pelos Estados Unidos para todo o mundo — pode acabar influenciando o destino de veículos chineses para mercados mais abertos, como o Brasil.
A possibilidade preocupa parte da indústria local, mas, curiosamente, também pode abrir uma janela de respiro para o setor nacional.
“Simulações com modelos de equilíbrio geral mostram que uma tarifa bem calibrada sobre veículos importados poderia gerar um aumento de até 5% no emprego no setor automotivo brasileiro, além de impulsionar os investimentos em cerca de 1,5%”, explica Ribeiro.
Segundo ele, encarecer os veículos vindos de fora pode redirecionar parte da demanda de volta para a produção nacional — desde que isso venha acompanhado de políticas estruturantes para modernizar o setor e recuperar a competitividade a longo prazo.
Competitividade em xeque
A perda de competitividade da indústria brasileira não é novidade, mas o avanço agressivo dos veículos chineses mostra a necessidade de urgência para tomadas de decisão mais concretas.

Custo elevado, baixa inovação e um ambiente tributário desafiador criam um cenário hostil para quem produz localmente.
A consequência direta, caso nada seja feito, é uma perspectiva sombria para os próximos anos: retração da produção, fechamento de fábricas e perda de postos de trabalho. Por outro lado, oportunidades ainda existem — desde que o país esteja disposto a repensar seu modelo de desenvolvimento industrial.
A resposta exige mais que tarifas
Ainda que as tarifas de importação sejam uma ferramenta legítima para equilibrar momentaneamente o jogo, especialistas apontam que o verdadeiro desafio está em estruturar uma indústria moderna, conectada às demandas globais e ao novo perfil do consumidor.
Conforme Luis Ricardo Melo, a questão central para o Brasil não é simplesmente restringir a entrada de veículos estrangeiros, mas sim fortalecer sua capacidade de competir globalmente.
Para isso, seria necessário investir em inovação, melhorar a infraestrutura e adotar uma política industrial de longo prazo — capaz de transformar o atual desafio em uma oportunidade estratégica.