Ranulfo Custódio Alves celebrou a renovação de sua Carteira Nacional de Habilitação, com os olhos marejados e um aperto de mão firme. Prestes a completar 102 anos, ele reafirmou sua posição como o condutor mais idoso de Mato Grosso do Sul, mantendo um documento que carrega há 65 anos.
Ranulfo chegou sozinho à Agência do Detran-MS em Camapuã, dirigindo sua Ford F-1000. A primeira pergunta que fez aos atendentes revelava sua principal preocupação: "Vou conseguir renovar por quanto tempo?". Para ele, a resposta significava muito mais que um prazo administrativo.
Nascido em 27 de maio de 1923 em Três Lagoas, Ranulfo mudou-se para Camapuã em 1941 em busca de trabalho. Ao longo das décadas, construiu seu patrimônio, formou família e hoje é pai de sete filhos, além de contar com netos, bisnetos e tataranetos em seu círculo familiar.
A independência é um valor inegociável para o centenário. "Meus filhos não sabem o que eu tenho, o que eu devo. Eu que cuido de tudo. Eu que decido tudo", afirmou Ranulfo ao Detran-MS.
Sua rotina é marcada pela mobilidade entre diferentes ambientes. "Hoje eu estou fazendo tudo pra ficar no lugar que eu gosto. Camapuã não está bom? Eu vou pra fazenda. Fazenda não está bom? Eu vou para Campo Grande", explica sobre seu cotidiano dividido entre a cidade, a propriedade rural e a casa da filha caçula.
Liberdade com responsabilidade
Para Ranulfo, a habilitação representa muito mais que um documento. "Pra mim, o importante é eu ter minha vida com liberdade", revela com fala mansa, mas decidida. Ele menciona que os filhos sugerem a contratação de um motorista, proposta que ainda não aceita.
A justificativa para continuar dirigindo mistura praticidade e personalidade. "Porque você combina com um motorista às 7h, ele chega às 9h. E eu não sou homem de esperar!", explica.
A prudência é um princípio que Ranulfo aplica ao volante. "Guio devagar, não passo de 70 km/h. Coloco meu carro na minha faixa. Quem tiver com pressa, me poda", descreve sobre seu comportamento no trânsito.
Sua filosofia de vida se estende além das estradas. "Sou escravo da minha obrigação! Gosto de andar da forma correta, respeito muito a lei", afirma. E complementa com um conselho: "Aconselho as pessoas a primeiramente ter fé, e depois respeitar o próximo e respeitar a família."
O Código de Trânsito Brasileiro estabelece que condutores a partir de 70 anos têm CNH com validade de até três anos. Ranulfo passou pelo exame médico com êxito e garantiu sua habilitação até 2028, quando estará com 105 anos.
Antes mesmo da avaliação, demonstrou confiança apontando para o céu: "Se eu passar, vai ser por 3 anos?". Ao receber a confirmação de que poderia ser renovada por até três anos, sorriu: "Eu acho que vocês vão voltar aqui daqui a 3 anos. Vão dizer: vamos lá, o véinho vai renovar de novo."
Emoção compartilhada
O médico responsável pelo exame, Osvaldo Góis Figueiredo, não conteve a emoção ao atendê-lo. "A idade que você tem, lucidez e vontade de trabalhar, e viver a vida é admirável", declarou o perito, lembrando apenas que Ranulfo deve usar óculos ao dirigir.
Mato Grosso do Sul oferece condições especiais para renovação da CNH de idosos. Condutores entre 60 e 69 anos têm 50% de desconto na guia do Detran-MS, enquanto aqueles com 70 anos ou mais contam com redução de 70% no valor.
Um levantamento do Detran-MS revela que o estado possui 208 condutores com mais de 90 anos que renovaram suas habilitações nos últimos cinco anos. Somente entre janeiro e abril deste ano, 15 pessoas dessa faixa etária atualizaram seus documentos.
Ranulfo encabeça uma seleta lista de centenários que mantêm suas CNHs ativas no estado. Após ele, há uma condutora de Campo Grande e outro de Bela Vista, todos ultrapassando a marca dos 100 anos e preservando sua autonomia ao volante.
A filha caçula de Ranulfo, Renata Alves, expressou sua emoção ao saber da aprovação do pai no exame. "Estamos todos emocionados aqui. Agora está todo mundo gritando de alegria e felicidade", compartilhou em mensagem de gratidão, destacando a importância do tratamento digno oferecido ao pai.
Para o diretor de Habilitação do Detran-MS, Luiz Fernando Ferreira, que acompanhou o processo, a experiência foi inspiradora. "Ele nos mostrou que o envelhecimento com autonomia e responsabilidade é possível, e merece todo o nosso respeito", afirmou o servidor, que atua há 40 anos no órgão.