Me lembro como se fosse hoje de um quadro mostrado pelo diretor da FCA, Sérgio Ferreira, durante a pré-estreia do Jeep Renegade no Salão do Automóvel de 2014 (até porque eu trabalhava na Jeep). Na tela gigante, os SUVs apareciam com uma fatia de 18% no mercado global, 12% na América do Sul e apenas 8% no Brasil. Passados dois anos, essa participação dobrou no Brasil (foi a 16%).
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Na América do Sul a participação dos SUVs no mercado chegou a 19%, e no planeta a espantosos 27%. Na Europa, que nunca deu muita trela para esse tipo de veículo, um em cada quatro carros vendidos são SUVs ou crossovers. Em países como EUA, Canadá, Rússia e Austrália, eles são cerca de um terço do bolo.
Qual o limite para esse tipo de veículo, e qual a razão de tanto sucesso? Daria para fazer um tratado sobre o tema, mas vou tentar resumir, hoje e na coluna da próxima semana. Basicamente, as palavras mágicas para estes modelos são quatro: segurança, conforto, versatilidade e status. Curiosamente, segurança e conforto eram os pontos fracos dos primeiros SUVs, surgidos na segunda metade do século 20, e foi assim até o começo deste século.
Sim, os SUVs capotavam com mais facilidade, por conta do maior centro de gravidade. Pesados, eram mais difíceis de frear, além de beberrões. Conforto também passava longe, pois tinham a aspereza na rodagem de pequenos caminhões, e saltitavam em demasia sobre pisos irregulares. Muitos deles derivavam de picapes médias (carroceria sobre chassi). Hoje, a imensa maioria é monobloco.
O que houve recentemente é que a eletrônica praticamente eliminou essas deficiências dos jipões. Controles de estabilidade, de tração, de freios, de suspensão... Tudo isso faz com que esses grandalhões se comportem quase como confortáveis e seguros carros de passeio. Porém, com uma posição privilegiada ao volante, que garante melhor visibilidade e comodidade em viagens mais longas. Espaço geralmente não é problema. E a robustez do conjunto propicia enfrentar terrenos acidentados com maior desenvoltura, mesmo nos modelos 4x2 (a grande maioria, diga-se).
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Então eles não têm desvantagens em relação aos carros de passeio? Claro que sim. O desempenho é um deles, mas esse é um aspecto cada vez menos relevante em cidades engarrafadas e estradas cheias de radares. O consumo é maior, mas esse é um fator que não incomoda tanto quem compra carros de custo mais alto. Se o tanque for grande, garantindo boa autonomia, tá tudo certo. E há a questão da dificuldade em estacionar, cada vez mais amenizada pela presença de sensores e câmeras de ré.
No final das contas, o fiel da balança a favor dos SUVs é o status. No imaginário geral, esses carros estão associados a liberdade, aventura, jovialidade, contato com a natureza, e ainda um certo requinte. Isso pode mudar em breve ou cair na mesmice, mas não há no horizonte um segmento de carros com força suficiente para roubar essa bandeira de “parecer descolado” a bordo de um veículo. Os híbridos, elétricos e autônomos poderão fazer esse papel, mais isso ainda demora.
AS MULHERES NO COMANDO
Todas as pesquisas que as montadoras fazem mostram que as mulheres adotaram os SUVs com paixão. Elas gostam de se sentir mais altas ao volante, acham que os pneus aguentam mais o tranco em buracos, julgam-se mais seguras, gostam do estilo. Pelo porte elevado, sentem-se menos vulneráveis a olhares indiscretos vindos de ambulantes nos semáforos e de caminhões e ônibus na faixa ao lado (sim, acredite, isso aparece nas pesquisas). Em alguns modelos, como no líder do segmento Honda H-RV, mais da metade do público é composto por mulheres. No Jeep Renegade, de estilo mais robusto, elas são quase a metade.
Há quem diga que esse é um modismo, como foi o das peruas e minivans, hoje quase extintas. Será mesmo? Eu acho que é uma moda, sim, mas que veio de forma duradoura e consistente, sem prazo para minguar. Lembre-se que até as marcas de esportivos aderiram à moda, incluindo Jaguar, Maserati, Lamborghini...
Todas inspiradas pelo sucesso dos SUVs da Porsche (Cayenne e Macan), que garantem a saúde financeira da marca alemã, para desespero dos puristas.
ESPAÇO PARA CRESCER NO BRASIL
Meus amigos da indústria estimam que este ano o Brasil fechará com quase 19% de participação dos SUVs. Uma fatia considerável, mas ainda distante de média global, de 27%. A tendência é que haja um novo salto quando Volkswagen, GM e Toyota entrarem para valer nessa onda, levando a fatia dos SUVs para mais algo próximo a 25%.
E num futuro mais distante, será que a moda passa? Acho pouco provável, pois hoje todos os ventos sopram a favor dos SUVs. Se existe uma tendência ao compartilhamento e automação nos carros de passeio, os SUVs são o segmento mais imune a essas modernidades. Já falei disso na semana passada sobre os verdadeiros 4x4, que serão o último bastião da forma de dirigir como hoje a conhecemos.
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Assim como os jipes mais parrudos, os SUVs terão ainda uma vida longa. É muito provável que o motorista das grandes cidades abandone o carro em prol do transporte alternativo nos dias de semana. Mas se ele tiver um veículo na garagem para escapar nos momentos de lazer, provavelmente será um SUV.
Este assunto rende muito, não é mesmo? Na semana que vem falarei de onde estão vindo os compradores de SUVs, e da diferença de perfil de público entre os compactos e médios. Quais tipos de carros e modelos mais perdem espaço? E quais as armas de cada marca para essa palpitante categoria?
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