Nova perua Fiat Tipo SW foi usada pela coluna nesta viagem de quase 2 mil km pela Itália. Esta versão tem motor 2.0 diesel e câmbio manual de seis marchas
Glauco Lucena/AutoBuzz
Nova perua Fiat Tipo SW foi usada pela coluna nesta viagem de quase 2 mil km pela Itália. Esta versão tem motor 2.0 diesel e câmbio manual de seis marchas

Se o automóvel foi o ícone máximo da industrialização no século 20, isso se deveu essencialmente a três escolas. A alemã, que não só inventou o carro, mas elevou sua engenharia ao status de arte. A norte-americana, que criou a linha de montagem e estabeleceu o business automotivo. E a italiana, que além do design soberbo, deu ao mundo automobilístico o molho que faltava: a paixão pelas macchinas . Esse é o tripé que sustenta até hoje o negócio. Num segundo patamar de importância coloco o experimentalismo britânico, o pragmatismo nipônico e a escola francesa, que combina um pouco de tudo isso.

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A engenharia automotiva continua muito bem, obrigado, buscando com sucesso carros mais seguros e ecológicos. O business está em cheque, é verdade, mas há exemplos de montadoras que estão atentas à era digital, fazendo sinergias com empresas do Vale do Silício. Já a paixão... Ah, a paixão está muito ameaçada, sobretudo entre as novas gerações, que não se emocionam muito com as encantadoras máquinas sobre rodas. O que fazer? A resposta pode estar na Itália , hoje pouco valorizada.

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Muitas montadoras de países emergentes, como Coréia do Sul e China, importaram designers italianos para desenvolver seus produtos. Mas isso não basta. Mais que o design, os italianos têm um jeito todo especial de lidar com veículos, desde a mais tenra infância. É algo histórico e cultural. Por isso, além de designers, os emergentes deveriam importar da Itália profissionais de Marketing e talvez até de Psicologia e Ciências Humanas.

Os veículos na Itália são companheiros para todas as horas. Motos e ciclomotores estão por todos os lados nas cidades
Glauco Lucena/AutoBuzz
Os veículos na Itália são companheiros para todas as horas. Motos e ciclomotores estão por todos os lados nas cidades

Há um lado lúdico no jeito italiano de desenvolver e cultuar suas macchinas. Ele está presente desde as inatingíveis Ferrari, Maserati, Pagani e Lamborghini, passando pela Alfa Romeo (o sonho possível) e chegando até os mais palpáveis carros da Fiat e Lancia. Está presente também no universo das motos (Guzzi, Aprilia, Ducati, Bimota, MV Agusta, etc) e ciclomotores (Vespa, Garelli e a saudosa Lambretta). E mesmo no universo das bicicletas, que preservam um inconfundível estilo retrô.

Paixão e cultura automotiva

Os italianos adoram seus carros, e curtem fuçar neles em garagens e oficinas como essa da foto, da preparadora Giannini, em Roma
Glauco Lucena/AutoBuzz
Os italianos adoram seus carros, e curtem fuçar neles em garagens e oficinas como essa da foto, da preparadora Giannini, em Roma

Os meios de transporte em geral são vistos na Itália de forma leve, como parceiros em várias fases da vida. Há inúmeros circuitos fechados para fãs de esportivos, e estradas em boas condições para rodar em alta velocidade. Acabo de voltar de lá, onde rodei quase 2 mil km em duas semanas a bordo da nova perua Fiat Tipo SW. Mesmo rodando no limite das autoestradas, a 130 km/h, cansei de ser ultrapassado por carros bem acima disso. Não vi acidentes. Nas cidades, todos os tipos de veículo convivem em caótica harmonia. Nos centros históricos, geralmente medievais, as vielas são tomadas por uma infinidade de minicarros e veículos de duas rodas, alguns de três.

Até mesmo as estreitas ruas medievais são tomadas por minicarros, incluindo o idolatrado Fiat 500 original
Glauco Lucena/AutoBuzz
Até mesmo as estreitas ruas medievais são tomadas por minicarros, incluindo o idolatrado Fiat 500 original

Os italianos têm uma relação afetiva com seus veículos, os chamam pelo gênero feminino, numa forma carinhosa e respeitosa. Antigos e coloridos Fiat 500 e 600 são vistos (e venerados) com frequência nas ruas. Aliás, italiano gosta de carro colorido. Vermelho, azul claro, amarelo, verde, marrom, bege, creme. O que menos se vê por lá são carros preto e prata.

Brinquedos com os carros e ciclomotores mais icônicos da Itália são vistos em várias lojas pelo país
Glauco Lucena/AutoBuzz
Brinquedos com os carros e ciclomotores mais icônicos da Itália são vistos em várias lojas pelo país

Quando as macchinas quebram (precisão e previsibilidade não são tão valorizados como na vizinha Alemanha), fuçar nelas não chega a ser um estorvo. Italianos gostam de colocar a mão na graxa, querem entender o funcionamento das engrenagens. E isso desde cedo. Carros de brinquedo estão à venda em qualquer posto de gasolina, em barracas de ambulantes, em lojas de souvenir. E têm lugar de destaque em qualquer loja de brinquedo, é claro.

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Onde tem pavimento, tem algum veículo. Nesta parte da ilha italiana de Ischia só rodam carrinhos elétricos. Com direito a breves engarrafamentos e discussões entre motoristas

Se o brasileiro ainda gosta tanto de carro e outros veículos, boa parte disso se deve à colonização italiana. O mesmo acontece nos vizinhos Argentina e Uruguai e em algumas cidades americanas com forte influência italiana, como Chicago. Famílias italianas e seus descendentes foram as pioneiras do automobilismo brasileiro (alô, Fittipaldi), e também proliferaram no comércio e na reparação automotiva.

Resumo dessa ópera: a indústria deve olhar com carinho para a escola italiana se quiser resgatar parte da paixão pelo automóvel que vem se perdendo. Existe um lado lúdico nos veículos que pode ser resgatado não mais por prosaicos brinquedos, mas pela gameficação, um neologismo da moda. Há um oceano de oportunidades no universo dos games e das redes sociais para que o carro volte a ser um parceiro divertido, e não o vilão da história. Esse lado icônico pode até invadir os veículos elétricos e/ou autônomos, por que não? Pergunte aos italianos como é que se faz!

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