A notícia mais impressionante da semana passada no setor automotivo foi a prisão no Japão do superexecutivo Carlos Ghosn, nascido no Brasil, comandante da Aliança Renault-Nissan-Mitsubishi. O caso de suspeita de sonegação ainda terá grandes repercussões nos próximos meses. Já nesta semana, outra bomba chegou, agora vinda dos EUA, com o anúncio da GM do fechamento de fábricas naquele país (incluindo a do Chevrolet Cruze), além de uma no Canadá e outra na Coreia do Sul. O que há em comum entre os dois fatos?
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A necessidade de cortar gordura para poder investir em novas tecnologias e formas de mobilidade tem levado ao fechamento de fábricas de carros no mundo todo. Sim, a prisão de Ghosn se deu por uma delação feita por executivos da Nissan, que tem como pano de fundo deixar a marca japonesa mais livre em relação à francesa Renault, bem menos lucrativa.
Afinal, por que a GM precisa fechar tantas fábricas, e porque a Nissan prefere reduzir sua dependência em relação à Renault? Porque está faltando fôlego financeiro para investir em tecnologias e em novas formas de mobilidade – o tal quarteto eletrificação, automação, conectividade e compartilhamento. Grandes montadoras gastam fortunas comprando ou se aliando a startups de mobilidade, mas esse é um investimento de longo prazo.
Para conseguir se capitalizar, vale fechar fábricas antigas, tirar modelos pouco lucrativos de linha, demitir muita gente e até se livrar de parceiros não muito promissores (caso da Nissan com a Renault). A GM, calejada com a falência de 10 anos atrás (foi socorrida pelo governo Obama), já mostrou que não terá pudor em tomar decisões drásticas como as desta semana.
Os casos citados não são isolados. A GM pode queimar gordura, já que tem um terço da capacidade ociosa entre todas as fábricas de carros nos EUA. Ford e Fiat-Chrysler (FCA) não têm tanta ociosidade, mas cancelaram a produção de quase todos os carros de passeio para, em seu lugar, produzir mais SUVs e picapes, que garantem maiores margens de lucro. A FCA vendeu recentemente a tradicional divisão de eletrônicos Magneti Marelli para fazer caixa e saciar investidores.
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Outro ponto indiscutível é que há fábricas de carros demais no mundo, muitas delas antigas, ociosas ou pouco produtivas. Os mercados tradicionais estão estáveis, e os emergentes (Brasil incluído) já não demonstram tanto potencial. O recuo do mercado chinês neste ano apavora as montadoras ocidentais, que viam na China a tábua de salvação. Para piorar, há cada vez mais gente disposta a compartilhar carros ou usar transporte alternativo – no Brasil, a emissão de CNH recuou mais de 30% nos últimos cinco anos.
Fechamento de fábricas no Brasil
A capacidade ociosa das fábricas brasileiras gira em torno de 50%, e tende a piorar com a crise na Argentina, nosso maior destino de exportações. Sim, nosso mercado reage, mas num ritmo muito lento, e vai demorar para atingir o que foi há cinco anos (3,74 milhões de unidades produzidas em 2013).
Neste ano, fechará em 3 milhões. Há gordura para queimar? Certamente. Há muitas fábricas antigas no país, e muitas vezes é mais caro modernizá-las do que erguer uma novinha em folha, com os devidos incentivos de estados e municípios.
Lembra-se da fábrica da Karmann-Ghia , na via Anchieta (ABC paulista)? Ninguém quer. Ou a antiga de ônibus, da Mercedes, em Campinas. Ou a da Suzuki em Itumbiara (GO). Todas sem produção de veículos. A GM já flertou várias vezes com o fechamento da sua fábrica de São José dos Campos (SP), só não o fez ainda por questões políticas. A Ford adoraria concentrar toda a sua atividade na Bahia, faturando alto na venda de sua velha planta em São Bernardo do Campo (SP).
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O Brasil tem até fábrica nova parada. É o caso da que a Honda construiu em Itirapina (SP). Ficou pronta em 2016, mas nunca produziu nada, congelada por conta da crise. Deve começar a operar no ano que vem, recebendo as inhas que hoje são feitas na vizinha Sumaré (SP). Esta deve ficar apenas com motores e outros componentes, numa transfusão que vai até 2021.
Enquanto fecham velhas fábricas pelo mundo, as grandes montadoras demonstram uma sede pela compra de startups de tecnologia. A GM gastou recentemente mais de US$ 1 bilhão para comprar a Cruise e a Strobe, para desenvolver carros autônomos.
A Ford, só neste ano, adquiriu a Spin (scooters elétricos), a Autonomic (automação) e a TransLoc (apps de mobilidade). O fenômeno de fechamento de fábricas ocorre também entre as montadoras europeias e japonesas. A prioridade está mais que definida, o que levará a novos fechamentos de antigas fábricas pelo mundo. E isso não tem volta.
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