Quando alguém está infectado pelo vírus das duas rodas, é impossível deixar de notar tudo o que acontece à sua volta em relação às motocicletas. E pode ser qualquer uma, de uma Mobylette a uma MV Agusta. Por isso eu nunca poderia deixar de notar aquela motocicleta estacionada junto a quase uma centena de outras motos. É claro que algo a destacava.
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O mesmo aconteceu 36 anos atrás, quando eu vi passar, mesmo de relance uma motocicleta diferente. Corri atrás e consegui parar o piloto, que estava assustado pensando ser um assalto. Em 1983, duas coisas eram muito raras de se ver pelas ruas, um roubo de motocicleta e uma Honda CX 500 Turbo. Só que eu vi uma Honda CX 500 Turbo.
Em plena proibição das importações, só tínhamos por aqui poucos modelos de motocicletas produzidas no país, como as Honda CB 400, XL 250 e CG 125, ou as Yamaha DT 180 e RX 125. As importadas eram apenas as que entraram legalmente até 1976, já bastante usadas e desprezadas, ou então uma ou outra “super máquina” que conseguia chegar às mãos de algum felizardo.
Eu via essas motocicletas apenas em catálogos e revistas importadas, sempre sonhando em pilotar uma delas, um dia. E esse dia chegou. Persegui por alguns instantes aquela belíssima Honda CX 500 Turbo e consegui marcar um dia para dar uma volta no quarteirão e fazer algumas fotografias. Não foi fácil, o rapaz, de pouca idade, havia “roubado” a moto de seu pai para uma voltinha, quando se deparou com um infectado pelo vírus das duas rodas.
Já nem lembrava mais do fato, até que vi esta Honda CX 500 transformada em Café Racer . O que me atraiu a ela não foi apenas a nostalgia daquele longínquo 1983, mas, principalmente, o capricho com que aquela motocicleta foi customizada. As fotos falam por si.
A história da Honda CX 500
Também como aconteceu há 36 anos, bastou uma voltinha no quarteirão para conhecer melhor a Honda CX 500 Café Racer do Clovis, que me contou a sua história. Decidido a não investir pesado, como a maioria faz atualmente, comprando uma Harley ou uma Triumph nova e gastando mais um monte de dinheiro na customização, ele optou por essa simplória Honda CX 500 – sem turbo – encontrada em um site de vendas lá em Manaus, no Amazonas.
Pagou o vendedor quando se certificou que a motocicleta já estava na transportadora, pronta para viajar a São Paulo. Aqui chegando, notou que a moto não estava totalmente original, com muitos componentes genéricos e carburadores de CB 400. Tinha até uma mulher nua impressa na capa de banco.
Você viu?
Começou a depenação. Toda a parte traseira do quadro foi eliminada. Observando a motocicleta original, trata-se de um modelo de baixíssimo apelo visual, mesmo para a sua época. A parte traseira do quadro, que sustenta o banco, o para-lama traseiro e apoia os dois amortecedores, é desproporcional, disfarçado apenas pelas coberturas laterais na cor do tanque. Foi tudo arrancado.
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No seu lugar, foi instalado um kit de montagem do amortecedor traseiro central, que também sustenta o novo e minimalista banco. A balança é a original, por onde passa o eixo-cardã, e o amortecedor é da BMW S 1000RR. Já a suspensão dianteira foi retirada de uma Suzuki Srad 1000, invertida, que já veio com as pinças de freio, os discos são Galfer e as duas rodas raiadas foram feitas artesanalmente.
A Honda CX 500 é motocicleta é muito customizada na Europa, por isso a grande oferta de kits e componentes específicos para esse trabalho. Há uma explicação para que todos se apaixonassem pela Honda CX 500, na época. Inclusive eu: é que a versão Turbo era outra motocicleta, com uma bela carenagem fixa, banco envolvente, pintura caprichada e, é claro, o turbo-compressor! Talvez eu tivesse desencanado dessa motocicleta naquela mesma época, caso eu tivesse a oportunidade de conviver mais tempo com ela.
Na CX 500 original, o tanque de combustível é inclinado para trás, o que, na linguagem do estilo, indica uma motocicleta de pouca agressividade, de pouca velocidade, até. Na motocicleta do Clovis, esse mesmo tanque original foi levantado, alinhando com o banco e passando uma imagem bem mais agradável.
Foram mais de dois anos de trabalho, incluindo a recuperação do motor. Trata-se de um bicilíndrico em V, só que longitudinal, com os cabeçotes saindo pelas laterais. Um motor longitudinal favorece a utilização de eixo-cardã, em vez da corrente convencional, e essa é uma das marcas registradas da CX 500.
O painel de instrumentos, que na motocicleta original vai embutido na carcaça do farol, foi substituído por um módulo digital, que tem o velocímetro alimentado por GPS. Como uma autêntica café racer, o acabamento minimalista dá o tom do estilo, incluindo o farol circular preso ao garfo por suportes vazados.
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Se a Honda CX 500 não é um modelo muito conhecido no Brasil, pelo menos a versão customizada do Clovis poderá fazer sucesso nos encontros. Vai que aparece mais um infectado pelo vírus das duas rodas para se apaixonar por ela.