Pilotei uma motocicleta pela primeira vez há muito tempo. Desde que me conheço como gente sou apaixonado por automóveis, consequência de meu pai ser o editor técnico e piloto de testes de automóveis da revista Quatro Rodas, desde o seu início, nos áureos anos 60.
Ele já tinha um histórico de paixão pelos carros , mas com as motocicletas , eu apenas o via em fotografias mais antigas, provavelmente antes de casar e ter os seus filhos. Quem sabe ele tenha dado um tempo nas motos até que seus filhos crescessem um pouco?
Foi o que aconteceu. Coincidindo com a popularização das motocicletas no Brasil, em fins dos anos 60, ele passou a fazer avaliações também de motos para a revista Quatro Rodas e voltou a ter várias delas em casa. A grande diferença, neste caso, é que ele agora tinha um garupa recorrente: eu.
A sua primeira motocicleta nessa nova fase, acho que comprada em 1968, foi uma BMW R60 de 1951. Daí não parou mais, acumulando várias delas. Havia duas Ducati 250 , uma Mark 1 e uma Mark 3, esta última espetacular. Começou a participar de corridas com as duas, alternando-as nas provas – ele já era piloto de competição de automóveis desde os anos 50.
A sua primeira corrida com as motos foi em 1969, em Ribeirão Preto. Corrida de rua, eu estava lá, com 10 anos de idade. Lembro desse fim de semana com todos os detalhes, como nos hospedamos no Hotel Umuarama, como ficamos preocupados com as possíveis sabotagens com as motocicletas na garagem do hotel e como fomos comprar botas para a corrida. Ganhei uma bota também.
O vencedor da prova foi Luis Latorre, com uma Ducati 350 desmodrômica, mas o meu pai estreante chegou em segundo, com sua Ducati 250 Mark 3. Ao final da prova, na entrega dos troféus, vi, de longe, todo o palanque montado para as autoridades ir abaixo, levando todos que estavam em cima consigo. Nenhuma baixa.
As motocicletas seguintes foram uma HRD Vincent Black Shadow 1951, a verdadeira viúva negra, e uma Jawa 250 1951. Acho que ele gostava desse ano para as motos. Todas essas motocicleta ficavam na minha garagem e eu só olhando, ainda não tinha tamanho para segurar uma delas. Logo após chegou a era das japonesas: a primeira foi uma Yamaha YDS5 de 1970 e a seguinte uma Suzuki T500J de 1972. Foi quando eu comecei a pilotar as motocicletas (os carros eu já dirigia desde 1970).
Aquela Suzy TJ era a minha preferida, apesar de enorme, para meu tamanho. Mas era só sair apoiado no meio fio que o resto era fácil. Até que apareceu, na minha garagem, uma feiosa Zündapp KS 100 , ano 1969, motocicleta com motor dois tempos fabricada na Alemanha.
De tanto “roubá-la” para umas voltinhas pelo bairro, ela passou a ser a minha moto, já que meu pai tinha todas as outras para se divertir. Eu tinha um pouco de vergonha da feiura dessa moto, pois os meus amigos tinham cinquentinhas que, apesar de muito mais lentas que a minha, eram mais bonitas e modernas.
Foi em 1974 que meu pai comprou uma Honda CB 750 Four , zerinho, a moto do século. E um desses dias ele me liga da Fórmula G, revenda autorizada Honda aqui na Praça Panamericana (onde hoje tem um Mc Donald’s), e pede para ir buscá-lo, pois ele iria deixar sua CB para revisão. Fui, mas parei minha Zündapp bem longe da entrada da loja.
Quando entrei, meu pai perguntou pela moto. Não entendi muito bem mas fui buscá-la. Um funcionário a levou para a oficina e o gerente da loja me falou: “escolha uma!”. Eu havia ganho uma Honda “zerinho”! Escolhi a CB 125S , modelo importado que seria a inspiração para a nossa CG, dois anos depois, e já saí pilotando. Que felicidade! Já podia ir para a escola sem ter vergonha da minha moto (naquela época eu estudava no Mackenzie e uma bela moto fazia grande diferença para a imagem de um moleque de 14 anos de idade).
Bem, foi a partir daí que minha vida motociclística começou pra valer. Só que esta não é para ser a minha história, mas sim a história das motocicletas no Brasil, que começou a ficar importante justamente nesse período. A geração antes da minha começou gostando das motocicletas européias, mas não foi nada difícil se apaixonarem pelas japonesas que começaram a invadir o mundo em meados dos anos 60.
No Brasil, alguns importadores começaram a trazer a Honda e Yamaha. Das primeiras vinham as pequenas, como a icônica 65, com um mísero garfinho como suspensão dianteira, as médias, como a linha CB (175, 250 e 350) e as grandes, a maior delas a potente Honda CB 450 DOHC Black Bomber. Até a chegada da CB 750 Four , era essa moto o maior desejo de todos.
Da Yamaha, as mais cobiçadas eram as bicilíndricas dois tempos de 350 cm3, que evoluíram para a R5 e depois a RD 350 . Nos anos 60 essas motocicletas ainda tinham muito das européias, como, por exemplo, o velocímetro embutido na carcaça do farol.
Você viu?
Quem não tinha uma motocicleta podia, facilmente, alugar uma por hora ou pelo fim de semana. Em São Paulo havia vários lugares onde todos acabavam se reunindo para os passeios pela cidade. Um dos primeiros pontos de encontro, bem no início dos anos 70, era a lanchonete Funny Time, na ainda não totalmente aberta avenida Sumaré, na Zona Oeste da cidade.
Mas o local mais famoso depois disso foi mesmo o Rick Store, na avenida Faria Lima. É claro que, em um espírito típico dos cafés ingleses da década anterior, havia os rachas, marcados para algum lugar específico ou ali mesmo, na frente de toda a rapaziada. Como esses locais eram um tanto efêmeros, dali o próximo local passou a ser na avenida Europa, em frente à confeitaria Pandoro.
Paralelamente a esses momentos e locais, dois pontos de encontro eram sagrados em São Paulo, a elegante Rua Augusta, que chegou até a ser acarpetada para promover o comércio local, e o Parque do Ibirapuera.
Dentro do parque, em frente ao Café Concerto, nos domingos à tarde havia o famoso “zerinho”, uma grande área asfaltada na qual os motociclistas rodavam em círculo. Quem não estivesse rodando estava nas laterais, apenas assistindo e, quem sabe, esperando um tombo, o que era bastante comum. Normalmente os estragos se resumiam em joelho, pisca e orgulho feridos.
No sábado à noite, no entanto, o ponto de encontro era outro: a Praça do Relógio, na Cidade Universitária. Nesse local, no entanto, os ânimos eram sempre mais acentuados e os tombos feriam muito mais do que no zerinho. Dali, sempre havia o deslocamento para a Marginal Pinheiros, bem ao lado, para os rachas mais sérios. Nesse caso, em alta velocidade.
Paralelamente à vida social das motocicletas, da qual participei ativamente frequentando esses locais de encontros espontâneos, as competições iam muito bem. Depois da fase das provas de ruas pelas cidades do interior de São Paulo, a reabertura do Autódromo de Interlagos em 1970 fez com que todos se deslocassem para lá.
Eu inclusive, que continuei a acompanhar meu pai para todo lado. Começava a fase das japonesas especiais de competição, em especial as Yamaha TD, TR e, finalmente, a espetacular TZ, todas com motores dois tempos de dois cilindros e 350 cm3.
A escolha da Honda CB 125S para mim foi perfeita, já que era uma excelente máquina para participar das provas de estreantes e novatos em Interlagos. Guidão Tomazeli, escapamento direto “megáfono” e números na frente do farol e nas laterais não impediam que eu continuasse a usar a moto desse jeito pela rua. Era uma sensação!
Históricas, mesmo, foram as três edições das 24 Horas de Interlagos, em 1974, 1975 e 1976. Tentei participar da prova de 1975, mas o Eloi Gogliano, sabiamente, negou minha inscrição. Mas participei da prova nos boxes, cronometrando e ajudando a equipe do meu pai, que corria com uma Yamaha TX 650 . Aí percebi que ainda era cedo para mim uma prova desse nível de dificuldade.
O ano de 1976 foi especial, de várias formas, para mim e para o motociclismo. As importações foram proibidas e ficamos muito tempo sem poder ver as novidades de duas rodas que surgiam pelo mundo. Foi também quando comecei a participar da imprensa especializada, pilotando motocicletas primeiramente para a revista Auto Esporte e depois, por muito tempo, na revista Duas Rodas. Lembro que o primeiro evento de lançamento que fui sozinho foi o da nova Honda 125 ML , em 1978. E a moto mais legal que eu pilotei nessa época foi a nova Honda Turuna 125 , em 1979.
A década de 80 foi, ao mesmo tempo, muito fraca e muito excitante. Fraca porque havia pouquíssimos lançamentos e, também por esse motivo, excitante porque todas as novas motocicletas eram recebidas com muito entusiasmo. A primeira motocicleta dessa fase foi a Honda CB 400 , bicilíndrica quatro tempos considerada “motocicleta grande”. O Brasil saía de um longo jejum de motocicletas interessantes.
Entre as motos de uso misto, a primeira de uma série foi a Yamaha DT 180, de 1981. Linda, moderna, motor monocilíndrico dois tempos e uma grande aptidão para as trilhas. No ano seguinte chegou aquela que talvez tenha sido a mais importante da década, a Honda XL 250R . Maior, mais robusta e mais cara que a DT, que compensava sendo mais ágil no fora de estrada. Para viagens longas, a XL era mais adequada.
Até 1986, eram essas as motocicletas que todos queriam. Até que, nesse ano, chegou a Honda CBX 750F , montada em Manaus. Com velocidade máxima além dos 200 km/h, até hoje a “sete-galo” nacional é um ícone da nossa história motociclística. Apesar de menor e tecnicamente pertencente a outra categoria de motocicletas, a Yamaha RD 350R , lançada em 1987, sempre foi considerada a grande rival da CBX.
O que ela tinha a menos de potência e velocidade ela compensava com agilidade e estabilidade. O último grande lançamento nacional antes da virada da década e da reabertura das importações foi a Yamaha TX 600 , a primeira quatro tempos da marca produzida no Brasil. Com essa motocicleta, as longas viagens pelo país se tornaram mais frequentes e mais confortáveis.
Enquanto isso, a vida social das motocicletas foi mudando, aos poucos. Com a popularização dos modelos de menor cilindrada, os grupos que se reuniam eram mais frequentes e espalhados.
Surgiram os profissionais de entregas, que ganharam o nome de motoboys, e as competições foram largamente incentivadas pelos campeonatos monomarcas, como a Fórmula 400 e a Copa RD 350. Mas ainda havia o grande desejo pelas motocicletas maiores e mais potentes, de marcas japonesas e européias que todos sabiam que existiam mas ainda não se tinha acesso.
A maior moto nacional era a Honda CB 750 Indy, touring estradeira carenada, mas já bastante defasada em relação às similares disponíveis no exterior. Foi quando uma nova era no fantástico mundo das motocicletas começou, com a reabertura das importações a partir de 1991.
É claro que o mercado foi se adaptando aos novos modelos que iam chegando, os valores foram se adequando até que temos, atualmente, um fantástico mercado nacional de motocicletas, com modelos alinhados com a atualidade mundial e o que é melhor, a maioria deles produzidos no Brasil.
Temos novos motociclistas – não apenas pela idade, mas sim, porque a motocicleta conquistou um amplo leque de utilizações – e novas formas de se relacionar em torno das motocicletas.
Centenas de motoclubes agregam seguidores conforme o tipo de motocicleta de seu gosto, temos novas categorias de competição e os modelos de pequenas cilindradas – motos populares ou mesmo scooteres – conquistaram definitivamente uma grande parcela da população. Nesses últimos 50 anos de evolução, apenas uma coisa não mudou: o prazer em pilotar uma motocicleta.