Alguém aí tem 1 milhão de dólares em caixa? Eu disse em caixa e não em patrimônio. Se você tem, parabéns, é um dos 164.500 brasileiros que têm essa dinheirama toda na conta. E, assim, pode se candidatar tranquilamente a ser proprietário de um Ford Mustang ou de um Chevrolet Camaro.
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Afinal, é nesse seleto grupo que as filiais brasileiras da Ford Motor Company e da General Motors Corporation miram quando decidem vender esses carros oficialmente em nosso país. O Ford Mustang custa R$ 299.900 e o Camaro sai por R$ 310.000 (ou R$ 343.000, se a preferência for por um conversível).
Como se sabe, o Mustang surgiu nos EUA em 1964 e o Camaro foi lançado dois anos depois, justamente devido ao sucesso do primeiro. Desde aqueles anos em que os Beatles enlouqueciam os jovens americanos e enfureciam os caretas estadunidenses, o Mustang e o Camaro duelam pela preferência do público. Os dois carros foram exportados de forma independente para o Brasil, mas só este ano eles brigam sob a chancela oficial das marcas Ford e Chevrolet.
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Nasceram como “pony cars”, um termo que batizou carros de aparência esportiva e performance nem tanto, mas depois ganharam tamanha potência e cresceram tanto que passaram para o status de “muscle cars”, que é o que são hoje. O Mustang tem um motor V8 5.0 de 466 cavalos.
O Camaro utiliza um V8 6.2 de 461 cavalos. Juntos, a cavalaria da dupla chega a 927 cv. Não quero aqui entrar no mérito sobre qual deles é melhor, embora eu tenha a minha preferência, mas sim no porquê eles representam o fracasso do Brasil.
País do futuro
Hoje não parece, mas a verdade é que o Mustang inaugurou a era dos “pony cars” com um preço relativamente barato. A ideia era que a geração dos baby boomers, que tinha convivido com as agruras da Segunda Guerra Mundial, pudesse desfrutar de sua liberdade, felicidade e deslumbramento a bordo de um carro que traduzisse esse sentimento. Isso no país rico da América do Norte.
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Aqui na América do Sul, os brasileiros sofriam com a aurora de um período militar extremamente violento, que levou à restrição das liberdades, à morte e desaparecimento de muitas pessoas, à tortura de opositores do regime e ao aprofundamento de uma péssima distribuição de renda. O carro que reinava no Brasil era o Volkswagen Fusca. Outros carros, como o famoso Simca, eram muito ruins e não atendiam à demanda dos brasileiros e suas estradas difíceis.
Os anos foram se passando. O Mustang e o Camaro foram ganhando novas gerações. Foram ganhando potência, músculos e fãs em todo o mundo. Foram criando história. A pátria-mãe desses dois carros solidificou o poderio militar e econômico construído nas duas guerras mundiais, enquanto o Brasil fracassava em projetos absurdos como a rodovia Transamazônica e perdia a década de 1980 inteira para uma inflação descontrolada.
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Houve o fim do período militar, a volta da democracia, e o Brasil, que passara décadas fechado, com uma indústria que produzia pouquíssimos carros, finalmente abria seu mercado para uma farra de importados. Entra governo, cai governo, entra governo, sai governo e o Brasil continuava sendo o paraíso de carros pouco tecnológicos. Saiu o Fusca, entrou o Gol, mantendo-se a marca Volkswagen.
A história recente, com todas as agruras dos escândalos de corrupção, aprofundou a desigualdade social, levando a um discurso de ódio entre esquerda e direita, enquanto a indústria automobilística só crescia na base dos incentivos governamentais, ou afundava-se em crise atrás de crise.
Um novo mundo
Agora, finalmente, o Mustang e o Camaro podem ser vistos nas concessionárias da Ford e da Chevrolet. Mas, claro, são poucos os que podem comprá-los. Pior que isso: os poucos que podem comprá-los, pouco podem aproveitá-los, uma vez que circular com um carro da faixa de R$ 300 mil é quase um desaforo num país com 12 milhões de desempregados. A violência atingiu níveis assustadores e toda a esperança da população parece estar depositada em um novo salvador da pátria, que emergirá das urnas eletrônicas no final deste ano. Será?
Será que um dia poderemos mesmo sonhar em ter um Mustang ou um Camaro em nossas garagens? Será que um dia circular com esses carros será mais divertido do que perigoso? Será que um dia os motoristas desses incríveis “muscle cars” serão olhados mais com admiração do que com inveja e até com ódio? O que será que será? – perguntaria um certo Chico.
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Será que um dia o ronco dos V8 desse Ford e desse Chevrolet significarão que nosso país deu certo? Ou será que serão apenas um ruído para mostrar que eles destoam da paisagem e significam nosso fracasso como nação? A Ford e a GM foram pioneiras na indústria automobilística brasileira, começaram por aqui fazendo caminhões. Hoje elas fazem carros para a classe média e para a elite brasileira. Tomara que o Ford Mustang e o Camaro, seus ícones, briguem por muito tempo em nossas ruas, pois será a prova de que demos meia volta e tomamos o caminho de um país menos desigual.