De vez em quando o mercado automotivo é alvo de algumas notícias sensacionalistas. A última trata da volta do Corsa ao Brasil. Desde que a PSA (Peugeot Citroën) adquiriu a Opel na Europa, o retorno do Corsa ao mercado brasileiro tem sido aventado com maior ou menor força. Como se sabe, o Corsa foi um carro que marcou época no Brasil nos anos 1990, sob a marca Chevrolet. Ao ser lançado, em 1994, o Corsa fez tanto sucesso que o vice-presidente da GM, André Bier, teve que ir à televisão para dizer aos consumidores para não comprarem Corsa com ágio, pois haveria produção para atender a todos os interessados.
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O Corsa foi fabricado no Brasil de 1994 a 2012 no modelo hatch e de 2003 a 2015 no modelo sedã. Entretanto, quando saiu de linha, já fazia alguns anos que o nome Corsa não empolgava ninguém, tanto que ele havia sido rebatizado de Chevrolet Classic. Um subterfúgio para dar um nome bonito a um carro ultrapassado perante a concorrência.
E hoje, qual seria a razão da vinda do Corsa ao Brasil pelas mãos da PSA? Ele poderia se chamar Peugeot Corsa ou Citroën Corsa? Em teoria, sim. Também poderia marcar a estreia da marca Opel no Brasil, mantendo o nome e o sobrenome que tem na Europa: Opel Corsa. Para que uma dessas três opções aconteça, entretanto, é preciso haver um sentido comercial e econômico nisso. E se formos analisar o custo dessa operação, veremos que a volta do Corsa é muito mais um desejo de alguns jornalistas automotivos do que uma realidade dentro da PSA. Analisemos, portanto, alguns cenários.
Cenário 1: Peugeot Corsa
Para lançar um Peugeot Corsa no Brasil, a PSA teria que desistir do 208. Afinal, esses dois carros são concorrentes diretos. Na Europa, o Opel Corsa é o quinto carro mais vendido (94,6 mil unidades até maio), imediatamente atrás do Peugeot 208 (110,3 mil). Ambos perdem para Renault Clio, VW Polo e Ford Fiesta. A média do Corsa é de 18,9 mil carros/mês, enquanto a média do 208 é de 22,1 mil carros/mês. Na Europa, eles podem ser concorrentes porque o mercado é muito maior e a PSA passou a pagar menos para fornecedores de alguns equipamentos ao adquirir a Opel, devido à sua escala de produção (hoje, a PSA só perde para o Grupo Volkswagen em tamanho).
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No Brasil, o Peugeot 208 ocupa uma vergonhosa 57ª posição no ranking dos primeiros sete meses deste ano. E mesmo entre os hatches pequenos, o Peugeot 208 é apenas o nono colocado, com uma média de 652 carros vendidos por mês. Mas é o 208 que dá base para a fabricação do 2008, um carro mais importante para a marca Peugeot por se tratar de um SUV/crossover. Por isso, a venda de um futuro Peugeot Corsa pode ser descartada, pois não tem sentido investir em duas plataformas se é possível usar apenas uma.
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Cenário 2: Citroën Corsa
No Brasil, o Citroën C3 é um carro ainda menos procurado do que o Peugeot 208, ocupando atualmente a 58ª posição no ranking. Apesar de soar meio estranho, um Citroën Corsa faria mais sentido do Brasil do que um Peugeot Corsa. Isso porque a PSA sofre para reposicionar a Citroën como uma marca mais acessível do que a Peugeot. Devido ao seu histórico no Brasil, a Citroën foi posicionada como uma marca mais aspiracional do que a Peugeot – mas isso não ocorre em nenhum mercado relevante do mundo. E mudar isso no Brasil é muito difícil, pois pode prejudicar não só a própria Citroën, mas também a Peugeot.
Portanto, trazer um Corsa com a marca Citroën para disputar com as mesmas armas que a Peugeot não faria sentido. O custo disso seria grande e ainda jogaria por terra anos e anos de investimento no C3. Fora de cogitação!
Cenário 3: Opel Corsa
Dos três cenários, este é o mais viável, mas nem por isso mais crível do que os dois anteriores. Como se sabe, faz algum tempo que a PSA desistiu de importar os carros de sua marca de luxo, a DS. E agora existem rumores de que a DS pode retornar, devido à melhora do mercado brasileiro. Porém, ao contrário dos carros da Opel – e principalmente do Corsa –, a linha DS é composta de carros de luxo ou esportivos. São carros que não afetariam os modelos atuais da Peugeot e da Citroën.
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Nada impede, entretanto, que a PSA decida trazer o Opel Corsa para um teste de mercado. Bem, nada impede... se ela quiser rasgar dinheiro, pois com a importação o custo de um Corsa para o consumidor seria alto e o carro não teria preço competitivo no mercado. Para além disso, os investimentos para a introdução da marca Opel seriam altíssimos – se houvesse essa verba disponível, seria muito mais lógico investir nas marcas Peugeot e Citroën, que já têm mais de duas décadas de presença na vida dos consumidores brasileiros.
Conclusão
Como se vê, não é porque uma empresa adquiriu uma marca que ela necessariamente voltará ao mercado onde atuou. Também devemos considerar o fato de que o sucesso do Corsa (o da Chevrolet) aconteceu em outro momento do país, quando as quatro grandes (Fiat, Ford, GM e Volkswagen) vendiam quase 90% dos carros por essas terras. O Corsa fez sucesso porque chegou com um visual atraente e uma concepção mais moderna de carros contra modelos 1.0 que estavam envelhecidos ou com pouca tecnologia. À medida em que os concorrentes se fortaleceram, porém, o Corsa foi perdendo importância, tanto que a própria GM desistiu dele para lançar o Chevrolet Celta.
Atualmente as pessoas têm cada vez menos apego às marcas. Para manter as marcas acesas, é preciso estar sempre ganhando a atenção do consumidor. E o Corsa é uma marca que deixou de fazer sucesso no Brasil há quase duas décadas. Atualmente em sua quinta geração (E), o Corsa é vendido na Europa em várias configurações, de duas e quatro portas, inclusive com a versão esportiva GSi, que no Brasil durou apenas duas temporadas (1995 e 1996). Em 2020 a PSA deve lançar seu primeiro Corsa, o da geração F. Até lá, as especulações sobre a volta do Corsa ao Brasil devem aumentar. Mas, como vimos, as dificuldades para que isso aconteça superam de longe as oportunidades prometidas.