O Bugatti La Voiture Noire roubou a cena no Salão de Genebra com seu estonteante custo de 11 milhões de euros. É o carro mais caro de todos os tempos. Todo mundo ficou de queixo caído, não apenas pelo preço, mas também pela beleza do carro francês. Porém, não vi nenhum jornalista comentar dois aspectos que me incomodaram bastante nesse carro. Primeiro: quem precisa de um automóvel com esse preço? Segundo: ele deixa a desejar em alguns aspectos de design e construção. Sei que muitos fãs e até colegas vão me criticar por isso, mas não sou candidato a nada e costumo dizer o que penso.
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Vamos começar pelo preço. Ao contrário do que foi publicado, o valor do carro no Brasil não seria de R$ 47 milhões. Claro, esse é o valor simplesmente convertendo o euro pelo real. Porém, se fosse vendido no Brasil, o Bugatti La Voiture Noire custaria no mínimo R$ 67,8 milhões. Foi fácil chegar a esse número. Peguei dois exemplos da Porsche, que faz carros fascinantes e é do mesmo grupo da Bugatti (ambas pertencem ao Volkswagen Groupe).
O 911 Carrera 4 GTS sai por 127.979 euros na Alemanha e custa R$ 724.075 no Brasil, ou seja, com o euro "cotado" a R$ 5,60. O Panamera Hybrid 4S Turbo Executive sai por 201.325 euros na Alemanha e custa R$ 1.241.560 no Brasil, ou seja, com o euro "cotado" a R$ 6,10. Como o Bugatti La Voiture é um carro exclusivíssimo (só uma unidade produzida), apliquei os mesmos valores do Porsche Panamera e cheguei aos R$ 67,8 milhões.
Bugatti custa o equivalente a 1.469 Chevrolet Onix Joy
Com o dinheiro de um Bugatti La Voiture Noire seria possível comprar 1.469 Chevrolet Onix Joy, a versão de entrada do carro mais vendido do Brasil. Enfileirados, esses Onix ocupariam uma faixa de 6 km na estrada. Imagina uma pessoa tendo que escolher qual Onix usar numa fila de 6 km desse carro. Com essa grana também seria possível fazer 8.612 viagens de ida e volta de São Paulo a Paris na classe executiva premium dos aviões da Latam. Mais: só com o valor do IPVA do Bugatti La Voiture Noire (R$ 2,720 milhões) daria para comprar 59 Onix Joy.
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Evidentemente, ninguém precisa de um carro como o La Voiture Noire. Portanto, estamos falando de construção de valor no imaginário. Alguém paga esse valor não pelo que o produto vale, mas sim pelo que ele representa. Dizem que o ex-CEO do Volkswagen Groupe, Ferdinand Piëch, foi quem comprou o novo Bugatti. Isso não foi confirmado. Dá para imaginar, porém, por que os carros normais são tão caros: se um executivo de montadora consegue comprar um automóvel de R$ 67,8 milhões, imagina o quanto ele ganhou ao longo de sua carreira. O imaginário do comprador de um Bugatti La Voiture Noire não tem limites. Qual será o próximo brinquedo?
Bugatti não faz jus ao carro que quis homenagear
Bem, se o dinheiro for lícito, cada um faz dele o que quiser. É um tapa na cara de uma sociedade mundial cada vez mais carente de distribuição de renda, mas não é crime. E, de novo, o carro por si é maravilhoso. Para além de um design lindo, tem seis saídas de escapamento, utiliza motor 8.0 W16 com quatro turbocompressores, entrega 1.500 cv de potência e despeja 1.600 Nm de torque. Tudo bem, duvido que o dono do Bugatti La Voiture Noire usufrua de toda a tecnologia, mas sabemos que esse tipo de carro é uma joia automotiva, que só existe para ser exibido, para ser visto, para inflar os egos e para encher alguns bolsos.
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O que realmente me admirou é que não vi nenhuma crítica ao design e à construção do carro para justificar todo esse valor. O Voiture Noire foi baseado no Bugatti Type 57 SC Atlantic, que teve apenas quatro unidades fabricadas entre 1936 e 1938. O carro foi uma criação de Jean Bugatti, filho mais velho de Ettore Bugatti, e se notabilizava por um design espetacular, com frente incrivelmente longa e dois lugares na cabine bem recuada.
Agora vejam as fotos dos dois carros. Colocados lado a lado, os dois Bugatti têm pouco em comum, além da cor preta. A traseira realmente lembra bastante e o parabrisa repartido também. Mas é só. Na verdade, o Voiture Noire tem alguns elementos estéticos para fazer uma lembrança ao Type 57 SC Atlantic , mas poucos. As rodas do carrão de Genebra são incrivelmente espalhafatosas, fora da realidade.
Agora vejam a beleza clássica das rodas do Bugatti Type 57 SC Atlantic. Na real, o que a Bugatti fez foi pinçar uma história bacana do passado, fazer algumas modificações num carro que já tem em sua linha e “vender” essa joia para colecionadores, entusiastas e jornalistas por um valor absurdamente maior do que ele realmente custa para ser produzido. Isso é que é criar valor no imaginário. O resto é pobreza.