É inegável e incontestável que os carros elétricos estão ganhando espaço no mercado brasileiro. Se o impacto desses veículos será duradouro, só o tempo irá dizer, mas cabe a pergunta: será a hora de comprar um carro elétrico? É o que tentaremos responder após utilizar um Renault Megane como "cobaia".
Os problemas dos carros elétricos no Brasil seguem os mesmos de anos atrás: estrutura de recarga escassa e muitas vezes mal cuidada. Em São Paulo, por exemplo, já existe uma rede de carregadores mais consolidada, e mesmo assim está longe do ideal.
A situação fica ainda pior quando expandimos o cenário. No caso do repórter que vos escreve, morando no subúrbio do Rio de Janeiro, carregadores são raridade, mas isso não me impediu de testar o Megane por uma semana.
O plano era simples: uma rápida viagem a Petrópolis para observar o comportamento do carro e da bateria na subida da serra. Como preparativo, a ideia era sair de casa com a bateria completamente carregada, entretanto, o Megane não conta com o carregamento doméstico. Por sorte, há um shopping por perto com carregador. O receio era que o local estivesse movimentado, já que eram apenas duas vagas, no entanto, elas estavam vazias, então consegui recarregar o modelo francês facilmente.
Levou cerca de 1 hora para recuperar 25% de energia e partir com o veículo marcando 311 km de alcance com a bateria completa. Vale ressaltar que, de acordo com o Inmetro, o alcance máximo do Megane E-Tech é de 337km.
Ao retornar, um BYD Dolphin dividia o carregador com o Megane e havia um BYD Song Plus híbrido plug-in nos arredores. Me pergunto se o proprietário do Song Plus planejava utilizar o carregador, que era o único dos quatro carregadores da região que estava em funcionamento, segundo alguns aplicativos.
Por falar em aplicativos, eles são grandes aliados de quem compra um carro elétrico. Claro que o ideal é a opção de algum tipo de recarga doméstica, mas os aplicativos, além de mostrarem a localização do carregador, podem ser complementados por comentários de usuários que atualizam sobre o funcionamento do equipamento e outros detalhes.
Em um carregador localizado na rodovia Presidente Dutra, o equipamento de alta velocidade mais próximo segundo o aplicativo PlugShare, para recarga rápida de 150kW, não estava funcionando, de acordo com os usuários do aplicativo. Entretanto, havia um carregador do Tipo 2 e outro no padrão CHAdeMO . O Tipo 2, utilizado pelo Megane, estava em pleno funcionamento, mas nem tudo são flores.
Ao chegar no carregador, um Volvo estava utilizando o equipamento do tipo 2, até então, tudo certo. Tentei utilizar o plug de recarga rápida de teimosia - ou esperança de que havia sido consertado - mas sem sucesso. Foi necessário aguardar cerca de 40 minutos para o proprietário do Volvo deixar o local e mais 56 minutos aguardando o Megane recuperar alguma carga.
Por 19,9 kW de energia, foi necessário pagar R$ 50,79, além de precisar baixar três aplicativos apenas para conseguir realizar a recarga e o pagamento. Por sorte, o posto contava com uma boa loja de conveniência e uma franquia de fast food, que auxiliaram a passar o tempo e encarecer ainda mais a conta final.
O Megane E-Tech, e os demais carros elétricos, poderiam contar com um dispositivo que permite o ar-condicionado funcionar enquanto o veículo está carregando. Em postos mais remotos e dias quentes, pode fazer muita diferença.
Megane E-Tech e seu visual incrível
Meu primeiro contato com o Renault Megane E-Tech havia sido na fábrica da marca em São José dos Pinhais (PR) , onde o modelo estava exposto. Na ocasião, o Megane já estava confirmado para o Brasil, mas as primeiras unidades ainda não haviam sido importadas.
O visual do modelo é encantador e sua carroceria mistura elementos de hatch e suv compacto , sendo um legítimo crossover . Apesar de passar a impressão de ser um carro baixo e até apertado, o Megane consegue levar bem cinco ocupantes.
Internamente, o modelo não decepciona. O espaço é bem amplo, com um desenho minimalista, e os bancos e materiais internos são de tecido, mas com um material premium e macio ao toque. Os ajustes dos assentos são manuais e a central multimídia de 9 polegadas é menor que a do modelo europeu – de 12” -, mas isso não incomoda. À noite, o sistema de iluminação da cabine com LEDs coloridos deixa o interior ainda mais estiloso.
Vale destacar ainda o grande volume para guardar objetos no console central entre os pés dos passageiros, e o apoio de braços ainda esconde um bom porta-trecos.
Impressões ao dirigir
Como todo carro elétrico
, o silêncio na cabine do Megane se destaca. São 220 cv de potência e 30,6 kgfm de torque. Pode não parecer muito, mas em um primeiro contato, o torque instantâneo
impressiona. O acelerador conta com “dois níveis”, que funciona até como dispositivo de segurança em caso de condutores inexperientes com carros elétricos, e também poupar a vida e carga das baterias.
Dirigir o Megane é impressionante porque é diferente de tudo que a Renault já ofereceu no Brasil - até a chegada do Kardian
. A qualidade de construção e os materiais são muito superiores, afinal, o modelo também é vendido na França.
As diferenças são um detalhe no para-choque e uma central multimídia maior. O painel de instrumentos é digital e ajustável, a multimídia do modelo vendido por aqui funciona de forma rápida e sem travamentos, entretanto, só consegui conexão com Android Auto usando fios.
O volante com desenho hexagonal oferece uma sensação diferente ao dirigir o Megane. Todos os ajustes estão bem à mão e fáceis de encontrar, entretanto, o câmbio na coluna de direção poderia ser reposicionado, já que fica muito próximo dos controles do limpador de parabrisa.
Pelo volante é possível ajustar os controles de assistência ao condutor, e o Megane conta com frenagem automática de emergência, alerta de ponto cego e manutenção de faixa com intervenção, detector de fadiga, alerta de saída segura de passageiros, monitor de cansaço, controle de velocidade adaptativo, leitor de placas e farol alto inteligente.
A entrega de torque e potência é muito boa. O Megane não é esportivo, muito longe disso, mas é muito ágil em todas as situações possíveis. Até em manobras o crossover francês se destaca muito bem. A Renault diz que ele conta com com assistente de estacionamento , que facilita o encaixe do carro em vagas, mas confesso que não senti necessidade de usar a função, até porque estacionar o Megane é bem fácil, graças ao diâmetro de giro de 10,4m.
O que pode complicar em manobras é justamente o espelho central . O caimento de teto e o pequeno vidro traseiro não permitem muita visão do que está atrás do Megane.
Até por isso, a Renault equipou o modelo com uma câmera traseira que pode funcionar como retrovisor. Na maior parte do tempo utilizei o retrovisor convencional. A câmera, apesar de contar com uma ótima resolução, parece muito aproximada dos objetos atrás, e pode dificultar a noção de espaço.
A suspensão é bem ajustada, apesar de que, nas ruas brasileiras, ela trabalhe demais. O Megane tem uma configuração “durinha”, mas nada extremamente rígido. Particularmente, me senti bem confortável a bordo do modelo, que conseguiu absorver imperfeições de asfalto, desníveis e atravessar lombadas de forma muito satisfatória.
Mesmo em buracos, o Megane se comportou bem, mas não abusei para testar o comportamento da suspensão. O modelo é equipado com belas rodas de 18 polegadas e pneus de perfil 60, que garantem um bom impacto contra buracos, mas a baixa altura do carro pode fazê-lo raspar. Em cidades como São Paulo, onde valetas estão presentes a cada esquina, vale redobrar a atenção.
A boa sensação ao dirigir é responsabilidade não só das suspensões como também do conjunto de direção do Megane. Com assistência elétrica, as rodas do crossover francês apontam muito rapidamente e passam muita confiança para o motorista. O centro de gravidade centralizado e a boa distribuição de peso fazem do Megane um ótimo carro para se conduzir em uma estrada sinuosa. E digo mais, a Renault brasileira parece ter se inspirado nisso ao desenvolver o Kardian, mas isso é papo para outro teste.
Conclusão
O Megane E-Tech é de fato o melhor Renault já vendido no Brasil. É possível notar o trabalho feito pelos franceses para se tornarem uma marca premium. O que atrapalha o Megane no Brasil é o preço de R$ 279.990, a pouca rede de recarga, não disponibilidade para recargas domésticas de emergência, a desconfiança do público com o carro elétrico, e a atual alta competitividade no segmento.
Outro fator que pode atrapalhar é a disponibilidade. Segundo apuração com concessionários da marca, os interessados em uma unidade do Megane E-tech precisam aguardar mais de 90 dias para o modelo chegar da França, além de pagar um sinal.
Apesar disso, o Megane E-tech é um ótimo carro para quem valoriza visual, funcionalidade, desempenho, silêncio, e quer se destacar da multidão.
Já é a hora de comprar um carro elétrico no Brasil?
Depende. Os carros 100% elétricos possuem um valor elevado, o Renault Kwid E-tech é vendido por R$ 99.990, R$ 22 mil mais caro que a versão topo de linha do modelo térmico. Para quem utiliza muito o carro em ambientes urbanos, é perfeitamente possível conviver diariamente com um modelo 100% elétrico, já que eles rodam mais de 150 km com apenas uma carga.
Pessoas que dependem do carro para realizar longas viagens, moram em zonas onde não existem carregadores, ou não possuem condição de adquirir um carregador do tipo wallbox, por exemplo, podem apostar em modelos híbridos .
É possível ver nas redes sociais depoimentos de usuários de carros elétricos compartilhando seus usos diários e mostrando que a utilização desses automóveis é perfeitamente possível, mas, obviamente, demanda de renúncias e planejamento extra antes de realizar viagens, por exemplo.