O Renault Kwid e o Jac T40 têm algo em comum além da origem asiática e do lançamento simultâneo na primeira semana de agosto. Ambos se parecem com SUVs, embora na prática sejam hatches. Os dois fazem parte de uma nova tendência que promete fazer sucesso em vários mercados, sobretudo os emergentes, como o Brasil. Eles ficam no meio do caminho entre as conhecidas versões aventureiras e os legítimos SUVs. Eles são os quase-SUVs, frutos de um fenômeno recente que pode ser batizado de “suvização” dos carros de passeio. Outro pioneiro deste novo segmento é o Honda WR-V.
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Para entender essa tendência, da qual o Renault Kwid faz parte, é preciso voltar a 1999, quando a Fiat teve a grande sacada de lançar a versão Adventure da perua Palio Weekend. Ela percebeu que havia demanda por modelos que sugeriam certa robustez, por isso elevou e reforçou a suspensão de sua perua e a vestiu com adereços off-road. A moda pegou, e o que se viu nos anos seguintes foi uma profusão de modelos com apelo aventureiro, alguns até com estepe pendurado na tampa traseira.
A Ford foi além e lançou o EcoSport em 2002, com base no Fiesta, mas com carroceria de SUV, e até com opção de tração 4x4 dois anos depois. Mas isso não impediu que uma onda de versões com sobrenome Adventure, Trail, Cross, Way e afins invadisse o mercado brasileiro por mais de uma década. Isso durou até o lançamento de Honda HR-V, Jeep Renegade e outros SUVs compactos, a partir de 2014. Desde então, adereços off- road em carros de passeio perderam o propósito. Era preciso algo mais. Algo que o Renault Kwid e o Jac T40 entregam, cada um em sua faixa de preço.
A grande questão é que os SUVs de verdade não são tão acessíveis assim. Os mais vendidos estão acima de R$ 80 mil. Algumas montadoras perceberam o potencial para modelos de preço mais acessível, mas eles não poderiam ser apenas versões aventureiras. Teriam de ter um visual SUV minimamente consistente. Foi por isso que a Honda lançou este ano o WR-V, um meio caminho entre o monovolume Fit e o SUV HR-V, mas ainda caro (R$ 79 mil). E agora, Kwid e T40 escancaram essa estratégia, com preços bem mais atraentes.
O Renault Kwid tem o porte do VW Up! e do Fiat Mobi. Porém, ele tem linhas mais angulosas, capô alto e reto, bitolas largas, caixas de roda salientes, maior altura do solo, bons ângulos de entrada e saída em rampa... Todos esses elementos permitiram que ele fosse homologado como um SUV. Obviamente não há tração 4x4, suspensão reforçada, controle de tração, nem mesmo um sistema de bloqueio do diferencial. Mas muitos dos SUVs compactos não oferecem esses itens. E, analisando o mercado, o que o consumidor procura mesmo é um modelo com visual mais robusto, posição de dirigir elevada e que aguente o tranco em pisos levemente acidentados.
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Jogadas de mestre das fabricantes?
O Kwid é uma jogada de mestre da Renault. Chega com preços entre R$ 30 mil e R$ 40 mil, abaixo dos principais concorrentes, e metade do valor dos SUVs compactos. Com baixo custo, bom desempenho e economia, consegue passar um certo status de modelo “descolado”. Daí o esperto marketing com o lema “SUV dos compactos”, sem se assumir totalmente como um SUV, o que seria forçar demais a barra. Com fila de espera em função da estrondosa campanha de pré-vendas, a expectativa é que ele brigue pelas posições mais altas no ranking de vendas, algo que Up! e Mobi não conseguiram.
O chinês Jac T40, com preços abaixo de R$ 60 mil, obviamente tem ambições mais modestas. A expectativa de venda é de 8 mil a 10 mil unidades em 2018, quando os importados estarão livres do super-IPI de 30%. Ele vem da China, mas poderá ser montado com peças importadas (CKD) na Bahia a partir de 2019.
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O design do T40 é italiano, totalmente bancado pela representante brasileira SHC. O desenvolvimento foi feito na China, mas com muita intervenção de técnicos brasileiros. O projeto inicial de um hatch compacto foi evoluindo para uma espécie de SUV, graças à percepção de que a moda dos jipinhos estava chegando de forma avassaladora e duradoura, na visão do importador Sérgio Habib.
O visual ficou impactante, com muitos elementos de um legítimo SUV, sobretudo o capô elevado e reto. Avaliado por AutoBuzz em circuito de terra, ele surpreendeu pela boa absorção das irregularidades, que fazem o carro rodar de forma macia e silenciosa. O motor é acanhado, e o câmbio automático só chega em fevereiro, mas o bem equipado T40 tem atributos de sobra para servir de opção nessa faixa de preço abaixo do Renault Duster, o mais acessível dos SUVs.
Resta uma lacuna entre o Renault Kwid e o Jac T40, na faixa que vai de R$ 40 mil a R$ 55 mil. Tenha certeza, caro leitor, que algumas montadoras estão de olho nesta janela de oportunidade, com algum hatch que se pareça um SUV. Elas já perceberam que versões aventureiras não convencem mais. Pode apostar, a tendência da “suvização” dos carros compactos está só começando!
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