Não seria adequado falar de tecnologia, jornalismo, globalização e modernidade sem citar o capitalismo. "A natureza fortemente competitiva e expansionista do empreendimento capitalista implica que a inovação tecnológica tende a ser constante e difusa", afirma Giddens. Mais ainda quando temos a intenção de investigar o jornalismo automotivo.
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Por que o automóvel? Devido ao forte simbolismo que esse produto possui na sociedade industrial, por ter sido (em termos históricos) a mais importante mercadoria fabricada em linha de produção e por representar como poucos um referencial do status de seus proprietários perante a sociedade de consumo, que, para Zygmunt Bauman, "só pode ser uma sociedade do excesso e da extravagância – e, portanto, da redundância e do desperdício pródigo". Por último, porém tão importante quanto os demais motivos citados, porque o jornalismo automotivo praticado no Brasil, desde a chegada da web 2.0, oferece muitos elementos para análise do fenômeno do derretimento das mídias tradicionais, enquanto as novas mídias digitais avançam rapidamente em "território inimigo" com seu exército formado por sites, blogs, smartphones, tablets, podcasts e vídeos.
Em seu estudo sobre o sistema dos objetos, Jean Baudrillard diz que o campo privado da habitação reúne quase todos os objetos cotidianos da vida humana, mas faz uma ressalva: "O sistema todavia não se esgota no interior doméstico. Comporta um elemento exterior que constitui por si só uma dimensão do sistema: o automóvel". Isso porque as características e a usabilidade de um carro resumem as posições e os significados do interior de uma casa. "O automóvel lhes acrescenta uma dimensão de poderio, uma transcendência que lhe faltava", observa Baudrillard.
Liberdade e necessidades
Possuir um carro é como possuir um passaporte para a liberdade. Se o deslocamento é "uma necessidade" do ser humano e a velocidade representa "um prazer", a posse de um automóvel é quase um diploma de cidadania. "A carta de motorista é a credencial desta nobreza mobiliária cujos costados são a compreensão e a velocidade máxima", diz Baudrillard. Por isso, o automóvel movimenta uma das mais poderosas indústrias do mundo contemporâneo, mexe com o imaginário e é foco da atenção de bilhões de pessoas, que, por necessidade ou empatia, consomem diariamente todo tipo de informação sobre ele.
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Baudrillard não chega ao ponto de ver no automóvel a versão moderna da fusão da inteligência humana e de forças animais, mas admite: "Ele é um objeto sublime". Isso porque esse adorado objeto tem a capacidade de transformar o espaço-tempo. "O movimento por si só constitui certa felicidade mas a euforia mecanicista da velocidade vem a ser outra coisa: é fundada, no imaginário, sobre o milagre do deslocamento." (Baudrillard)
Embora seja um ícone do capitalismo e fundamental para o deslocamento dos indivíduos que movimentam a economia, o automóvel só tem o papel que tem porque a sociedade o fez assim. Ninguém nasce precisando de um carro. Não existem necessidades materiais que sejam naturais para o ser humano. "Toda sociedade cria um conjunto de necessidades para seus membros e lhes ensina que a vida não vale a pena ser vivida a não ser que estas necessidades sejam bem ou mal satisfeitas." (Castoriadis) Devido a essa dependência artificial, as pessoas passaram a ser bombardeadas com publicidade e se sentem "obrigadas" a comprar alguma coisa que as satisfaçam.
O objeto me ama
Os consumidores, dessa forma, enxergam nas marcas famosas uma espécie de porto seguro em seu mundo consumista, no qual toma-se decisões diariamente sobre qual produto deve ser comprado. O que era uma exibição de status passou a ser uma tomada de decisão. Em consequência disso, vive-se constantemente em risco de errar na escolha. “O risco aprofunda a dependência dos especialistas", diz Beck. Afinal, com tantas marcas expostas, qual delas é a melhor? Por que Adidas e não Nike? Por que Volkswagen e não Fiat? Por que Louis Vuitton e não Prada? Por que Coca-cola e não Pepsi? Por que, por que, por que? Para responder a todas essas perguntas, aprofundou-se a dependência dos chamados sistemas especialistas. (Giddens) "Se o objeto me ama (e ele me ama através da publicidade), estou salvo”, resume Baudrillard.
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No Brasil, desde que o presidente Fernando Collor abriu o mercado automotivo (e vários outros) para importações, em 1990, os consumidores passaram a ter acesso a uma variedade incrível de automóveis. Assim, clientes que eram favas contadas para os vendedores de carros, passaram a experimentar outras marcas. A partir daí, os comportamentos cada vez mais imprevisíveis dos consumidores de automóveis levaram as montadoras a serem cada vez mais ágeis na apresentação de novidades. "Jamais os consumidores se mostraram tão desconfiados, voláteis, infiéis às marcas", constata Lipovetsky. Vivemos uma era de "amores e desamores em matéria de marcas". Afinal, como lembra Scott Lash, o consumidor vive rodeado não apenas por coisas, mas também por fantasias. E o automóvel, como mostrou Baudrillard, tem essa característica de mexer com o imaginário.
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