Diz a história que ao longo dos tempos a lista dos pecados capitais sofreu alterações e até foi reduzida. Desde o século XIII são sete: soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja e preguiça. Mas não é essa lista que nos interessa aqui, e sim os pecados capitais do Fiat Cronos. Aparentemente, o Cronos cometeu pelo menos três pecados capitais ao chegar ao mercado. E esses pecados não têm nada a ver com os pecados da esfera religiosa, mas sim com os poderosos mandamentos ditados pelo mercado consumidor.
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O Fiat Cronos é um carro muito bom. Ele entrou na família Fiat para substituir, de uma só vez, o Linea e o Grand Siena. Sua missão era clara: tornar a Fiat competitiva num mercado onde nunca se deu muito bem. Baseado no Argo , o Cronos estreou bem e rapidamente conquistou elogios dos especialistas por seu design, seu comportamento dinâmico e a possibilidade de vir com os motores 1.3 e 1.8.
Mesmo assim, o Cronos entrou no último trimestre do ano num pífio 32º lugar no ranking dos carros de passeio. Considerando os 15 carros de seu segmento (sedãs pequenos e compactos), o Cronos está na oitava colocação, com 16.266 emplacamentos. Perde para Chevrolet Prisma (65.415), Ford Ka Sedan (36.500), VW Virtus (34.151), Hyundai HB20S (26.105), VW Voyage (23.494), Toyota Yaris (21.743) e Renault Logan (18.266).
Se serve de consolo, em setembro ganhou do Logan por 88 carros, mas perdeu para todos os citados. Entre os carros que o Fiat Cronos bate, estão o Chevrolet Onix Plus (acabou de estrear), Caoa Chery Arrizo 5 (não tem produção em grande volume) e o Chevrolet Cobalt (em fim de linha). Portanto, o Cronos só bate mesmo o Nissan Versa, o Toyota Etios, seu irmão Grand Siena (que ressuscitou por algum tempo) e o Honda City (muito mais caro).
Como disse, o Cronos é um bom carro. Eu o compraria. Mas o mercado o rejeita, e acho que a razão não está nem Foro de São Paulo nem nas políticas de Donald Trump, para citarmos dois motivos, à direita e à esquerda, que são comumente usados no Brasil atual para justificar quando as coisas não dão certo. A razão, meus amigos, está nos três pecados capitais do Fiat Cronos.
Os pecados capitais do Fiat Cronos
O primeiro pecado capital do Cronos foi ter mantido a distância entre-eixos no mesmo tamanho do Fiat Argo. O Cronos foi lançado praticamente junto com o VW Virtus, e uma das diferenças do sedã da Volks é que ele se aproveitou da plataforma modular para ser maior do que o Polo, seu irmão de linha. Bem, eu nunca ouvi falar que a FCA poderia ter feito o mesmo na linha Argo/Cronos, mas no avião que nos trouxe de Córdoba (Argentina) depois do lançamento do Cronos, sentei ao lado do diretor técnico da Fiat na ocasião, Claudio Demaria. Ele me disse que a Fiat poderia ter aumentado o entre-eixos do Cronos, mas decidiu não fazê-lo. Motivo: economia de custos.
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Curioso que naquele evento a Fiat disponibilizou um Prisma, um HB20S e um Etios. Mas, vejam só, as novas gerações do HB20S e do Prisma (rebatizado de Onix Plus ) vieram maiores do que eram. Ou seja: o Cronos perdeu a briga pelo espaço. Para além disso, ficou caracterizado como um carro do segmento B, enquanto seus principais concorrentes migraram para o B+. Traduzindo: optaram por ser maior, seguindo uma tendência de aumento dos carros. O mercado, aliás, comprova que só o Cronos errou. Segundo a Fenabrave, na comparação de 2019 com 2018, as vendas de sedãs compactos, o B+, cresceu de 4,0% para 4,9%, enquanto de sedãs pequenos, o B (caiu de 14,3% para 13,6%).
O segundo pecado capital do Cronos é o motor. Seus principais concorrentes utilizam motor turbo, mas a Fiat ainda equipa o Cronos com motores naturalmente aspirados. Enquanto não vier a nova família de motores, o Cronos, com seus motores 1.3 e 1.8, vai sofrer diante dos motores mais eficientes da concorrência. Por eficiência entenda-se mais potência com menos consumo.
Finalmente, o terceiro pecado capital do Fiat Cronos é o câmbio automatizado de embreagem simples, o famoso GSR. É verdade que esse câmbio ficou melhor do que o antigo Dualogic, mas ainda assim ele está a léguas de distância dos câmbios automáticos de verdade usados pela concorrência. O novo Onix Plus, por exemplo, tem motor 1.0 turbo com câmbio automático de seis marchas. O Cronos, coitado, só oferece a transmissão automática (muita boa por sinal, de seis marchas) nas versões topo de linha, com motor 1.8. Ou seja: só para o consumidor mais abonado.
Já a versão 1.3, que é a de melhor relação custo-benefício do Cronos, só vai bem com o câmbio manual. O motor até faz sua parte, mas ninguém mais no Brasil quer transmissão manual. Então, nessa versão, a única opção do Cronos é o automatizado GSR, que dá trancos a cada mudança de marcha e ainda é mais caro do que o carro equipado com a caixa manual.
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Infelizmente, essa é a sina atual do Fiat Cronos . Um carro muito bom, bem construído, bem desenhado, gostoso de guiar na versão 1.8, com posição elevada como gosta o consumidor atual, com acabamento caprichado, ótimo porta-malas, suspensão acertadinha, um painel primoroso, com uma das melhores conectividades do mercado e um quadro de instrumentos matador (o melhor de todos), porém com alguns pecados que o deus mercado não perdoa. Que a Fiat corrija logo esses problemas e dê uma carreira de sucesso ao Cronos, porque ele merece.