Dois Tiggo na revenda Caoa Chery Sumaré, de São Paulo: procura alta em 2019.
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Dois Tiggo na revenda Caoa Chery Sumaré, de São Paulo: procura alta em 2019.

A história é conhecida e a estratégia também. Já deu certo duas vezes e está indo para a terceira rodada vitoriosa. Mesmo assim, não são todos que fazem. Qual é a história e qual a estratégia? A história de pegar uma marca do zero (ou abaixo disso) e transformá-la num sucesso de público e de crítica. Uns dois ou três anos atrás, quando a Volkswagen decidiu fazer mais um reposicionamento nos modelos Gol e Up, conversei com o presidente da marca na ocasião, David Powels. Ele me disse que o automóvel havia virado uma commodity e que a diferença do sucesso estava no pós-venda, no tratamento dado ao consumidor.

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Powels tinha razão. Os carros estão cada vez mais parecidos e a atenção dispensada ao cliente se tornou um diferencial. Mas não estamos falando de mimos como um cafezinho bem passado ou um chá gelado na concessionária. Estamos falando de tratar o cliente com respeito. Porém, outra verdade nesse meio é que não adianta oferecer uma boa assistência técnica se o produto não for bom. Esse é o passo inicial. Várias marcas fazem um bom atendimento ao consumidor e nessas marcas há sempre o dedo de uma pessoa de sucesso. 

Um exemplo disso é a Peugeot, que tem na figura da executiva Ana Theresa Borsari uma mulher incansável na briga por melhorar uma rede que já foi muito criticada e hoje ainda é vista com desconfiança. Na história recente da indústria automobilística brasileira, entretanto, ninguém ganha de Carlos Alberto de Oliveira Andrade (conhecido como Dr. Caoa , por ser médico de origem). Afinal, é a terceira vez que ele pega uma marca cheia de problemas e muda o seu conceito perante os consumidores.

Anúncios ousados instigam o consumidor

A Subaru tem uma rede pequena, mas o atendimento é de alto padrão.
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A Subaru tem uma rede pequena, mas o atendimento é de alto padrão.

Uma das estratégias do executivo é investir maciçamente em publicidade. Da mesma forma que foi feita com a Renault nos anos 1990, mas principalmente com a Hyundai neste século, Dr. Caoa sabe que a propaganda é a alma do negócio. Seus anúncios são ousados, instigantes, provocam o leitor a conhecer o carro. No mínimo, a pessoa vai querer conferir. Ninguém dava nada pelos Renault porque havia a pecha de serem carros franceses feitos por argentinos. Mas a marca cresceu a ponto de a própria Renault vir para o Brasil (e sofreu, só fazendo sucesso depois de entender a essência do consumidor tupiniquim). 

A estratégia foi repetida com a Hyundai. Havia tanto anúncio da Hyundai nas tevês, nos jornais e nas revistas que o Tucson acabou se tornando um dos SUVs mais desejados do Brasil. Com um carro absolutamente semelhante, a Kia não conseguia fazer o mesmo sucesso com o Sportage. Mas havia um diferencial: a expertise da Caoa no trato com o público do varejo. Desde o longínquo ano em que foi mal atendido numa concessionária da Ford, quando queria comprar um Galaxie Landau, e acabou comprando não o carro, mas a concessionária inteira, o Dr. Caoa persegue a excelência em suas marcas.

Assim, a Hyundai, que era uma marca desprezada pelo público e considerada morta pelo mercado, passou a crescer e a ganhar relevância. Com o aprendizado que trazia das concessionárias Ford (hoje há dez revendas Ford Caoa no Brasil), o grupo se aprimorou. Cometeu erros também, mas acabou conquistando relevância nos estudos da J.D. Power, o instituto internacional que mede a satisfação dos clientes da indústria automobilística.

Do médico mal-atendido ao concessionário que queria atender bem, passando pela experiência de trazer uma marca rejeitada e depois apostar em uma marca desprezada e condenada, a Caoa conseguiu sobreviver e crescer num ambiente de muitas reviravoltas econômicas.

Segundo o site especializado Auto Indústria, no período mais grave da crise econômica (até 2016), “algumas empresas do setor quebraram, outras fecharam e muitas trocaram de marca”. E ressalva: “Como em toda crise, teve grupo que investiu e cresceu em meio às adversidades, aproveitando-se, inclusive, da queda no valor da bandeira, que em algumas marcas foi de 80%”. Prossegue o Auto Indústria: “A rede de concessionárias brasileira enxugou de 7.330 pontos para 6.056. Foram fechadas 1.890 revendas e abertas 616 novas concessionárias, o que representa saldo negativo de 1.274 lojas”. Isso em apenas quatro anos.

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Outro veículo especializado do setor, a revista AutoData, concedeu à Caoa Montadora o Prêmio AutoData de Gestão em 2019 por ter adquirido e instalado em todas as suas unidades pós-venda um Scanner 3D que analisa a estrutura e os sulcos de cada pneu, possibilitando que tanto a concessionária quanto o cliente tenham certeza da necessidade ou não da troca. Também importante foi o prêmio Chairman’s Award, oferecido pela Ford a partir de uma pesquisa com clientes da marca.

Ter dinheiro ajuda a fazer a marca

O Scanner 3D possibilita que tanto o cliente quanto a concessionária saibam se a troca do pneu é necessária.
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O Scanner 3D possibilita que tanto o cliente quanto a concessionária saibam se a troca do pneu é necessária.

Muitas vezes também um grupo tem o desejo de melhorar o atendimento, mas não tem poder econômico para tanto. É isso que está fazendo a diferença, por exemplo, no crescimento da Caoa Chery. Seja para anunciar, para atender bem ou até para montar uma grande equipe. De cara, Oliveira Andrade acertou em cheio na escolha do executivo Marcio Alfonso para ser o CEO da marca, pois o conhecia de projetos realizados na Ford.

Outra aquisição importante é a de Leo Lukacs, diretor de engenharia das três marcas sob o chapéu da Caoa (Hyundai, Subaru e Caoa Chery), pois também tem grande experiência na área eletrônica. No atual momento da indústria automobilística é fundamental. Para além disso, é óbvio que toda a excelência adquirida na fabricação e venda de modelos Hyundai de luxo acaba servindo para a melhoria dos carros chineses fabricados em Anápolis (GO) e Jacareí (SP).

Mesmo assim, uma das minhas previsões não vingou. Eu achava que, nas mãos do Dr. Caoa, o Chery QQ ia explodir de vender. Não aconteceu e o carro saiu de linha. O problema é que carros de entrada como o QQ se tornaram inviáveis no atual momento do mercado brasileiro. Os motivos são vários. Primeiro que para vender bem e dar lucro, o QQ teria que ser muito barato. Segundo que até os consumidores de carros de entrada exigem importantes equipamentos de segurança e de conectividade hoje em dia -- e isso encarece o veículo.

Terceiro que o grupo está focado em carros mais modernos, como os novos Tiggo e Arrizo que serão lançados em 2020, sem contar os modelos híbridos que podem vir. De qualquer forma, acertei na previsão de que a história do Tucson se repetiria com os Tiggo, que atualmente são muito procurados pelos consumidores.

Manutenção em uma das dez revendas Ford: expertise ajudou as outras marcas do grupo.
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Manutenção em uma das dez revendas Ford: expertise ajudou as outras marcas do grupo.

Não se constrói uma marca de sucesso da noite para o dia. No Brasil, temos hoje exemplos como a Jeep, a Hyundai e a Nissan mostrando que a combinação de carro bem construído, marketing agressivo e pós-venda eficiente dão bom resultado perante o público. A própria Volkswagen está num caminho de recuperação de vendas e imagem. Da mesma forma, a Chevrolet se reinventou há alguns anos e passou a liderar o mercado, mas hoje está ameaçada pelos recentes episódios negativos do novo Onix.

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A Renault também levou um susto com o início do Kwid, mas agora está tranquila. A Peugeot , por sua vez, já melhorou os carros e o pós-venda, mas não fecha o ciclo com o marketing, pois sua publicidade é pequena e nem sempre eficiente. Para 2020, a marca que estará sob a mira do mercado é a Caoa Chery, que pode dar um passo importante para almejar ser uma das 10 maiores do Brasil. O futuro dirá.

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