As picapes grandes tinham um segmento inversamente proporcional ao tamanho delas. Antes restritas a um nicho muito pequeno, os modelos começaram a chegar em uma escala maior, um movimento disparado pela Ram , mas que agora ganhou a companhia da Ford F-150, o veículo mais vendido dos Estados Unidos. Depois de um primeiro contato estático com o utilitário (veja as impressões de estilo e outros detalhes), foi a vez de ver como é dirigir o lançamento.
Devo dizer que foi uma experiência antecipada como poucas. Jornalistas automotivos sonham com o dia em que poderão realizar os desejos de dirigirem determinados carros. Pode ser um Lamborghini, um Porsche , enfim, algo que gere um rebuliço no lado entusiasta de cada um de nós. Para mim, não foi muito diferente com a picapona. Não é todo dia em que é possível testar um símbolo dos Estados Unidos.
As primeiras impressões foram feitas ainda em circuito fechado: a pista de testes da Ford em Tatuí, interior de São Paulo . Com acres de asfalto, o lugar é tão grande que faz a F-150 parecer ter dimensões menores, mas é só uma impressão, pois basta se aproximar da gigante para ter uma ideia de tamanho.
São 5,88 metros de comprimento, 2,43 m de largura (com espelhos) e 3,69 m de distância entre-eixos - um centímetro a mais do que um Renault Kwid . O espaço interno é cavernoso. Cinco adultos altos vão bem em qualquer posição, incluindo aí o central traseiro. Se não fosse o largo console dianteiro, um sexto iria bem ali. Aliás, isso é algo que está nas versões para trabalho. A alavanca do câmbio automático é retrátil e abre espaço para uma "mesinha" de trabalho, superfície perfeita para um laptop.
O maior contato foi com a versão top Platinum de R$ 509.990. Logo abaixo dela, a Lariat custa R$ 479.990 e dispensa cromados e alguns outros itens. Entre os veículos da Ford, só não é mais cara do que os R$ 566.300 pedidos pelo Mustang Mach-1 . De acordo com a Ford, o lote de 250 unidades reservadas aos que já são clientes da Ford esgotou em menos de uma hora. Outras 150 picapes foram vendidas.
Nível de equipamentos é farto como uma colheita
São de série ar-condicionado digital de duas zonas (com saídas de ar traseiras); banco do motorista com 10 regulagens elétricas e memória (são oito no do carona) e ventilação e aquecimento para os primeiros
, enquanto os traseiros contam apenas com a segunda função; memória de posições dos ajustes elétricos do volante e pedais; teto solar panorâmico; abertura e partida sem chave (há ainda os curiosos comandos numéricos na coluna B, uma característica dos Fords estrangeiros); carregador de celular por indução; câmeras 360 graus, para a dianteira, traseira e reboque; freio de mão eletrônico; painel de instrumentos de 12 polegadas; central multimídia Sync 4 de 12 polegadas; Android Auto e Apple CarPlay; som Bang & Olufsen de oito alto falantes
; aplicativo para acionar funções a distância e outras informações; iluminação exterior; rodas aro 20 escurecidas; e acionamento elétrico da tampa da caçamba; entre outros.
A segurança é reforçada pelos esperados controles eletrônicos de estabilidade e de tração, que incluem um controle de estabilização do reboque ; oito airbags (dianteiros, joelhos, laterais frontais e do tipo cortina) ; controle automático em descidas e anticapotamento; alerta de colisão frontal e assistente autônomo de frenagem; monitoramento de ponto cego; controle de cruzeiro adaptativo; assistente de cruzamentos (impede ou minimiza colisões ao fazer uma conversão); auxílio de manobras evasivas (aumenta o torque no volante em direção ao desvio necessário, podendo também mudar o rumo sozinho); faróis de LED adaptativos; e sensor e alerta de permanência em faixa.
A Platinum traz a mais detalhes cromados no exterior, soleira e outras partes; estribo elétrico; som Bang & Olufsen de 18 alto falantes (há até nos encostos de cabeça dianteiros e teto) ; rodas aro 20 cromadas; e console que se transforma em uma superfície de apoio.
Primeiras impressões: grandalhona gentil
É chegada a hora de embarcar. O estribo rebatível eletricamente foi vital para eu entrar e sair, algo que eu só havia necessitado em poucos veículos. A altura da picape é de 1,96 metro, o que fica acima do meu 1,84 m. Eu poderia usar um chapéu Stetson que a minha cabeça não bateria no teto . E nem precisaria retirá-lo para subir.
O nível de acabamento é bom e, para escapar do jeito de veículo nascido para o trabalho, há revestimentos que imitam couro no topo das portas e do painel, além de couro de qualidade nas poltronas, volante e manopla de câmbio .
As regulagens elétricas do banco e volante me ajudaram a ficar na posição ideal - até os pedais podem ser regulados. Os bancos são elogiáveis e parecem ser confortáveis o suficiente para rodar o meio oeste americano inteiro , aquelas longas viagens por retas cercadas de plantações intermináveis de soja de um lado e milho do outro, entre outras. Curiosamente, costumo dirigir sempre lá embaixo, mas optei por uma posição um pouco mais elevada, pois foi a forma que consegui ver os limites do capô de forma mais livre.
Com vários tipos de terrenos, o circuito da Ford foi liberado em duas pistas: uma de alta e baixa velocidade e outra de terra. Ficou a dúvida de como ela se comporta na lama. Nos trechos estreitos e de baixa, foi possível testar a elasticidade e capacidade do motor levá-la em todos os modos. Há força de sobra até no econômico. Neste ajuste, o borbulhar e o ronco do V8 podem invadir a cabine, mas isso só ocorre se você quiser .
Foi na hora de colocá-la para correr que vi o quanto a F-150 é polivalente. O 5.0 é um dos oito cilindros mais modernos que o mercado norte-americano tem à disposição. Ele dispensa antiguidades como comando de válvulas no cabeçote para adotar tecnologias superiores, exemplo das 32 válvulas e comandos variáveis. Como resultado, são 405 cv a 6.000 rpm e 56,7 kgfm a 4.250 rpm .
O Mustang Mach-1 tem 483 cv a 7.250 rpm e 56,7 kgfm a 4.900 rpm, um regime de rotações por minuto bem mais elevado , algo que mostra que ele é mais afeito a altos giros, uma opção que foi deixada de lado, afinal, entregar força em faixas amplas é algo mais vital para uma picape do que qualquer coisa.
Ao entrar em uma grande reta, foi possível usar os modos normal e Sport para ver onde ela chega. O primeiro não tem grandes novidades, mas o segundo… é nessa hora que o Coyote uiva e estica as marchas até os 6.000 rpm. Pode não passar dos sete mil giros como a versão do propulsor para o Mustang, porém, a despeito disso, ronca forte e faz com que a picape toque nos 180 km/h rapidamente . Só não vai além por causa do limitador de velocidade.
Mesmo não tendo turbo ou alguma forma de compressão forçada, algo que ajudaria a ampliar esses números e ganhar uma presença de espírito em baixa mais endiabrada, o fato é que o motorzão aspirado leva muito bem as 2,5 toneladas da picape - olha que ela abusa do alumínio na carroceria e construção geral. A aceleração de zero a 100 km/h leva 7,1 segundos, tarefa que é auxiliada pelo ótimo escalonamento do câmbio automático de dez marchas . Com pouco mais do que os 400 cv e 56,7 kgfm de torque da rival da Ram , a F-150 pode ficar para trás dos 6,4 s exigidos pela 1500 Rebel na mesma prova, mas está longe de ser menos surpreendente.
Basta falar em V8 para o assunto consumo ser puxado. A F-150 faz 6,3 km/l de gasolina na cidade e 8,6 km/l na estrada - dados oficiais. Ver o tanque esvaziando na velocidade da luz não será algo normal nela, pois o reservatório leva 136 litros . Se levarmos em consideração o consumo na estrada, dá para rodar 1.170 km sem abastecer, algo excelente para lugares mais remotos. Pobre que sou, tive que fazer a conta de quanto sai para "completar": com a gasolina a R$ 5,85, encher totalmente o tanque até a sua capacidade máxima custa R$ 795 .
Restrito aos pisos de terra e alguns trechos deteriorados, o teste off-road não foi tão barra-pesada quanto o último que eu fiz por lá com uma Ranger. É de se esperar, dado que alguns trechos eram estreitos até para a picape média.
Para auxiliar no off-road, são quatro modos de funcionamento: 4X2 (força enviada apenas para o eixo traseiro), 4X4 High (para velocidades maiores), 4X4 automático (distribui a força de acordo com a necessidade, e 4X4 Low (a famosa reduzida) . Somado a isso, há oito modos de ajuste eletrônico automático para diferentes terrenos: normal, eco, esportivo, escorregadio, neve intensa/areia, lama/terra, rocha/avanço lento e rebocar/transportar .
Na terra compactada, a F-150 se comportou com delicadeza. Mesmo escapadas foram rapidamente corrigidas. E não ficou vexada na hora de lidar com uma camada profunda de areia, bastou acionar o modo correspondente e acelerar em ritmo normal . Foi possível testar o 4X4 High em uma rampa de grande inclinação, uma daquelas que quase faz você confiar no que não vê - o quase é grafado porque há uma câmera frontal que traz confiança e visão além do alcance.
Nas curvas, a picape exige respeito, e isso vale tanto para o asfalto quanto na terra. A suspensão é composta por braços duplos triangulares na dianteira - foi-se a época em que não era independente na frente - e eixo rígido na traseira. Apenas a elétrica F-150 Lightning
tem suspensão traseira independente
.
Usar freios a disco ventilados na quatro rodas é algo mais do necessário. A F-150 passa segurança ao frear
, mas desloca seu grande peso para a frente de uma maneira forte - o que é de se esperar em uma pesada picape grande.
O conforto de rodagem não é muito abalado ao rodar pelos pisos ruins do campo de provas, algo que é facilitado pela capacidade de carga baixa. Sem a obrigação de levar uma casa sobre as costas, o conjunto pode rodar mais livre e ser menos saltitante. Os pneus são 275/60 Hankook Dynapro AT2 R20 (uso misto). Só senti falta de protetores internos por toda extensão da caixa de rodas, há apenas na base. De qualquer forma, é algo que não chegou a atrapalhar em termos de ruídos internos. É mais pela estética mesmo.
Quer ir além e colocar no modo mais esportivo? Vai nessa, mas você tem que lembrar que a correção de volante é mais difícil em utilitários deste porte. Tratou feito BMW? Você vai suar um pouco para corrigir , dado que a direção de uma picape desse porte não é rápida nas correções. Somado a isso, o diâmetro de giro é de 14,6 m.
Já viu como um navio aporta? Para realizar essa delicada tarefa, um piloto local embarca e leva a gigantesca embarcação ao porto, algo que é mais fácil com o conhecimento que ele tem do local . Não é assim com a F-150. As câmeras por todo redor (incluindo na frente) auxiliam nas manobras e lhe dão o conhecimento do local, assim como os sensores de estacionamento. A direção é super macia e ganha mais peso mesmo no modo esportivo.
Se você é um típico comprador do modelo, talvez tenha um reboque para levar cavalos ou a vontade de levar uma lancha de seus 30 pés para passear. Tudo isso é facilitado pela assistência de reboque, recurso que permite usar câmeras para projetar os lados para onde vai a carreta. O controle é por meio de um comando giratório no painel, basta ir seguindo as linhas projetadas para não deixar a carreta formar um L fechado, situação que deve ser evitada a todo custo. Será difícil passar vergonha e viralizar em um vídeo do YouTube .
A capacidade de carga varia de acordo com a versão: 728 kg na Lariat e 681 kg na Platinum - sempre considerando carga e passageiros, o que é pouco . Não é o suficiente para adotar o motor diesel, pois a legislação brasileira exige uma tonelada de capacidade para tal, daí a opção de usar motores V8 a gasolina. Não é diferente com a Ram 1500 e Classic.
Isso a deixa para trás de picapes menores. Para você ter um parâmetro extremo, a Fiat Strada 1.3 leva 720 kg . Por sua vez, a Ford Ranger carrega 1.001 kg. Mas a irmã menor puxa um reboque de 750 kg sem freio, o que é pouco face os 3.515 kg da F-150 - com freio.
Para compensar um pouco, a caçamba tem 1.370 litros de volume. As medidas são ótimas: 1,70 metro de profundidade, 1,52 m de largura e 53 cm de profundidade . Além do acionamento elétrico, a tampa da caçamba tem uma escadinha integrada, que fica embutida e conta com uma barra retrátil para ajudar a subir. Uma régua na parte interna da tampa lembra que esse é um veículo pensado para trabalhadores técnicos... desde que eles tenham dinheiro.
Nos EUA, a Platinum custa 64.695 dólares , o que ainda fica abaixo dos portentosos 84.910 dólares pedidos pela Limited. Ela é bem mais cara do que os 56.570 dólares da etiqueta de preço do Mustang Mach-1. Estou falando de uma picape que tem valores de Audi, BMW ou Mercedes-Benz. Ou seja, até lá ela tem um público que tem dinheiro para comprar um carro de luxo, porém, tais modelos não têm tanta graça para aqueles que desejam o status um utilitário vistoso e completo.
Houve um ponto em que aproveitei para desapegar um pouco do gorgolejar do V8 para testar o sistema de som. Na Platinum, são 18 alto-falantes, o que inclui até quatro no teto e outros dois no encosto de cabeça. Coloquei para tocar músicas novas e seus graves marcantes, algo que costumo fazer em outros carros. Uma trilha que foi das clássicas ao pop, tudo muito bem reproduzido, afinal, a dinamarquesa Bang & Olufsen não costuma errar a afinação. A central de 12 polegadas é uma das mais bonitas e práticas que já vi. Foi muito rápido conectar o meu smartphone (tudo sem fios, incluindo Apple CarPlay e Android Auto) e começar a usar . Tudo levou poucos segundos.
Tem carro que pede sua trilha própria e, no caso da F-150, um country. Ou melhor, sertanejo . Incorporar o perfil do típico dono do utilitário da Ford é difícil, uma vez que o meu apartamento cabe em qualquer roçado de quintal, meu bairro tem ruas mais estreitas do que passagens medievais e a minha vaga de garagem faz um VW up parecer ser um Landau . Ouvir "Evidências", famosa por ter sido gravada por Chitãozinho e Xororó, ajudou na incorporação do personagem. Mas poderia ter sido John Denver.
No final, fiquei mais próximo de uma realidade que está longe de ser a minha. Mais do que não ter dinheiro para comprar uma picape grande, eu não tenho espaço para guardar ou dirigir uma. Porém, consegui ter uma ideia do que busca o público endinheirado que deseja um modelo de luxo para a realidade do campo, de cidades ricas do interior ou capitais de regiões de grande produção agrícola/pecuária.
Longe de terem apenas um carro, tais compradores não terão problema com o tamanho. O negócio deles é ter um veículo para cada missão necessária. Afora isso, dinheiro também não deve ser problema, ainda mais se o proprietário tiver dinheiro para estacionar uma colheitadera de milhões ao lado da F-150. Ou um trator John Deere, uma máquina que vale R$ 2 milhões para uma versão 8320 R Ano 2017 . O que dizer de um novo?
Rivais estão se armando
A Ram foi a marca que popularizou o segmento (o quanto é possível popularizar o nicho) e investiu antes nas picapes grandes com motor V8 a gasolina. Nem por isso ela vai ficar parada. Além da Rebel 5.2 de R$ 456.990, a marca vai lançar a 1500 Limited na Agrishow , feira de Ribeirão Preto que será realizada na semana que vem. O valor pode ficar próximo ao da F-150 Lariat, ou seja, abaixo da F-150 Platinum. Já a Chevrolet fará o mesmo com a Silverado, picapona que foi dada à vencedora do Big Brother 2023 e que tem início de vendas previsto para outubro.
Ficha técnica
Motor: 4.949 cm3, dianteiro, longitudinal, oito cilindros, 32 válvulas, injeção direta, 405 cv a 6.000 rpm, 56,7 kgfm a 4.250 rpm, gasolina
Câmbio: automático de dez marchas, tração integral
Direção: elétrica, com diâmetro de giro de 14,6 metros
Suspensão: Braços duplos triangulares na dianteira e eixo rígido na traseira
Freios: discos ventilados na dianteira e traseira
Pneus: 275/60 R20
Peso: 2.517 kg (Platinum) e 2.470 kg (Lariat)
Dimensões: 5,88 metros de comprimento; 2,46 m de largura (2,09 m sem espelhos); 1,96 m de altura; 3,69 m de distância entre-eixos; tanque de 136 litros