Montar em sua motocicleta, ajustar suas preferências de suspensão pelo celular, acertar o percurso da viagem no GPS e saber onde estão seus companheiros de estrada em tempo real, na tela do painel de instrumentos, são algumas das conveniências que a tecnologia nos proporciona. Assim, a aventura é completa. Como eram, então, as viagens há 30 anos? Ou melhor, como eram as motocicletas nos anos 80? Alguém se lembra da Honda XL (as “xiselinha” e “xiselona”), por exemplo?
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Em uma época em que a eletrônica ainda não havia dominado a indústria mecânica, as motocicletas eram, sim, objetos de enorme prazer. A exemplo da Honda XL que citei logo acima, tinham carburador, velocímetro de cabo, algumas até platinado, mas cumpriam o seu papel, tanto de transporte quanto de lazer. Mal comparando, imagine tentar falar com seus amigos utilizando telefones de disco.
Os anos 80 foram fantásticos. Nossas motocicletas era poucas, mas totalmente nacionais, visto que as importações de veículos foram proibidas em 1976. Tanto que existe atualmente pessoas que curtem essas motocicletas, muitas vezes porque viveram essa época – o meu caso –, ou porque acompanharam as movimentações desse mercado desde a infância. É o caso do nosso amigo Diego Rosa.
Diego montou uma coleção de motocicletas, a maioria dos anos 80, baseada nos seus desejos da adolescência, e foi mais além. Chamou seus inlfuenciadores da época para um evento mais que especial: um passeio com algumas peças de seu acervo. Para mim, foi como uma viagem no tempo.
As “parceiras no crime”
Entre as várias motocicletas disponíveis, eu escolhi aquelas que mais me lembravam “causos”. A Honda XLX 250R de 1984 me recordou de quando o prefeito de nos “escoltou” até a divisa de sua cidade, quase nos empurrando com o para-choque de seu carro oficial, até o limite do município. Cena do filme “Rambo”.
A Honda XLX 250R, a “xiselona”, era a motocicleta que todos da redação queriam para as viagens de aventura, pois tinha uma boa potência, era confortável no asfalto e se virava bem fora dele. Fora que dava status, era a motocicleta do momento.
Já a Honda XL 125S, a “xiselinha”, era a sua versão menor, mais acessível porém não menos valente. Não era veloz nem confortável quanto a sua irmã maior, principalmente devido à suspensão traseira bichoque, mas com uma relação custo/benefício muito atraente.
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Essa motocicleta me lembrou um bate-volta de seis dias de São Paulo a Porto Alegre, totalmente embaixo de chuva. Chovia tanto que, sem as comodidades dos dias atuais, toda a minha roupa ficou ensopada dentro da mochila. Lá pelas tantas parei em uma funilaria na beira da estrada e aluguei a estufa de pintura por uma hora, só para secar meu macacão de couro. E mais: um camarão estragado em Florianópolis me trouxe a São Paulo parando a todo momento e quase não conseguindo segurar aquela magrela de pé. Cheguei vivo.
Tem uma história com a Honda XLX 350R? Claro! A evolução da “xiselona”, que além de um motor maior tinha algumas linhas mais retas e farol retangular, acompanhou a enorme Yamaha XT
600 Ténéré em uma viagem ao Pantanal. Eu e meu companheiro de viagem revezávamos as duas motocicletas. Mesmo se virando bem em longos percursos, é óbvio que o maior conforto da Yamaha a fazia a preferida, mas era uma viagem democrática. O farol tipo lamparina da XLX 350R a fazia seguir a Ténéré e seu duplo farol nos trechos noturnos, mas o melhor da motocona era a partida elétrica.
Se a Honda XLX 250R era difícil para fazer funcionar no pedal, a XLX 350R, com maior taxa de compressão, era ainda pior. Daí o “causo”. Eu seguia a XTzona por trilhas no meio do Pantanal até uma clareira muito aprazível. Tiro capacete, tiro luvas, tiro casaco e, o pior, desligo o motor da XLX. Alguns minutos de contemplação, apenas, até avistarmos, ao longe, uma mancha escura no céu, se aproximando. Uma nuvem? Vai chover? NÃO! Uma nuvem de gafanhotos!
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Meu querido parceiro de viagem sentou na Ténéré, apertou o botãozinho mágico e sumiu! E eu lá, sem luvas, casaco aberto e capacete desafivelado, tentando, como um louco, acionar o maldito pedal no pé direito. E nada. E a nuvem crescendo. Aí não vi mais nada. Ficou tudo preto e, como em um previsível filme de terror, o motor pegou. Engatei a primeira e saí, sem ver para onde ia. Dei sorte, não caí em nenhuma vala nem acertei nenhuma árvore, e a nuvem ficou para trás. Como da outra vez, voltei vivo. E idolatrando o tal botãozinho mágico.
A outra motocicleta que me levou a uma viagem no tempo foi a Agrale Dakar 30.0 1988. Monocilindro dois tempos de 190 cm3, refrigerado a água, freio dianteiro a disco e uma aparência bem agressiva, parecendo motocicleta de maior cilindrada, a Dakar era muito desejada no fim dos anos 80.
Da minha história com a moto, lembro de seu lançamento, no cânion do Itaimbezinho, no Rio Grande do Sul. Antes de me aventurar pelos caminhos que nos aguardavam, comentei que iria ser legal passar naquela trilha estreita que se podia ver cá de cima, e fazer um “chuá” naquele córrego. E lá fomos.
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Depois de descer o desfiladeiro, em uma estrada de terra de uns 30 metros de largura, eu ficava me perguntando onde estaria aquela trilha. É, eu deveria ter usado um binóculo, era aquela estrada larga era a trilha e o chuá era um rio que, de tão largo, atravessamos de balsa. A tal balsa, no entanto, era peculiar. Era movida a... piloto de moto. Isso mesmo, a balsa deslizava em um cabo de aço de uma margem à outra do rio, e eram os pilotos das motos, ou qualquer outro “passageiro”, que empurrava a balsa de um lado a outro.
Depois de rodar com essa e outros motos dos anos 80
, fui relembrar uma motocicleta que impressionou os anos 90, a Yamaha GTS 1000 de 1993. Já com o mercado aberto, as importadas começaram a chegar e essa big touring era a vitrine da tecnologia mecânica, com suspensão dianteira monobraço, sem garfo. Muito estável e confortável em retas, era pesada em curvas e de uma complexidade mecânica sem igual, ainda sem a assistência que a eletrônica permite atualmente.
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Há muito pouco tempo, peguei uma dessas, de um colecionador, para uma reportagem sobre motocicletas clássicas. Só fui, porque no meio do caminho ela se recusou a funcionar e voltou no guincho. Certifiquei-me, que não era a motocicleta atual do Diego, não imaginaria que existissem duas iguais por aqui.
Depois de uma manhã cheia de casos e causos, com a Honda XL e várias outras motocicletas para nos lembrar de como era a vida sobre duas rodas de 30 anos atrás, o nosso anfitrião Diego Rosa preparou “aquela” paella em seu privado clube de motocicletas antigas. Da próxima vez, Diego, queremos as motocicletas dos anos 70!